sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A zeladora da Carta
Dona Vera é engraxate na Praça da Alfândega. Ela ocupa a mesma cadeira que seu pai ocupou durante muitos anos. 
Dona Vera chega bem cedo e, além de cuidar do brilho do sapato dos clientes, tem uma tarefa que também herdou do pai. Assim como ele fez durante mais de 30 anos, dona Vera é a zeladora da Carta Testamento de Getúlio Vargas. É ela quem limpa, varre a frente e, quando é possível deixa a placa de bronze quase brilhando. Fica de olho quando alguém se aproxima de maneira suspeita e já impediu, inclusive, a atuação do pessoal do patrimônio do município. “Eles chegaram com umas máquinas de limpeza e eu corri para impedir que ‘estragassem’ a Carta”, conta orgulhosa.
Dona Vera, durante a homenagem que políticos prestaram à Getúlio Vargas, foi chamada pelo presidente do PDT, Vieira da Cunha, para receber o aplauso de quem participava do ato. Foi hora dela contar que, além de cuidar, ela já se utilizou dos “poderes da Carta”. “Várias vezes passei por dificuldades, estive aqui e pedi uma ajuda. Sempre fui atendida. Esta Carta é abençoada”, diz cheia de entusiasmo.
Depois da homenagem, Dona Vera voltou para sua banca de engraxate e foi caprichar no brilho do sapato de um cliente que esperava ansioso. Sempre de olho na Carta Testamento de Getúlio Vargas.
Homenagem a Getúlio
Dezenas de pessoas estiveram na Praça da Alfândega na manhã de hoje, junto ao local onde está a Carta Testamento escrita por Getúlio Vargas na madrugada do dia 24 de agosto de 1954.
Representantes de todos os partidos que formam a aliança em apoio à reeleição de José Fortunati, reverenciaram a memória do líder trabalhista durante homenagem pelos 58 anos de sua morte.
O senador Pedro Simon e o ex-deputado Ibsen Pinheiro lembraram a importância de Vargas para o Brasil, destacando que, num momento de extrema coragem, Getúlio preferiu morrer a ver instalada uma guerra civil no Brasil.
Para o senador Cristovam Buarque, o momento diante da Carta Testamento, é a afirmação dos ideais de Vargas que viveu e morreu buscando o melhor para os trabalhadores. O senador do PDT lembrou que o trabalho realizado por seu partido em Porto Alegre, tem servido de exemplo e ponto de partida para o desenvolvimento do programa e das lutas pedetistas.
José Fortunati lembrou o significado de ter o seu partido comandando os destinos da Capital do Estado e fez questão de registrar que, neste ano, com a utilização do passe livre para a segunda passagem, 40 milhões de pessoas foram beneficiadas. O prefeito destacou a integração entre os partidos que forma sua aliança política, enumerando as diversas lideranças presentes ao ato.

Rápidas

Herança para brasileiros
Odd Odsen Júnior, empresário norte-americano que morreu em 19 de junho, aos 52 anos, deixou parte de sua herança de US$ 40 milhões para 18 brasileiros que foram estagiários de sua empresa nos anos 90. Odsen era solteiro, não tinha filhos e manteve até os últimos dias de vida uma relação de amizade com seus estagiários. Cada beneficiado receberá cerca de US$ 300 mil, ou R$ 606,1 mil.

Cartão ponto de grevistas
A Justiça Federal do RS decidiu, em caráter liminar, que a União não pode efetuar qualquer desconto salarial de agentes da Polícia Federal em greve no Estado. Para a Justiça, os servidores têm direito a greve assegurado pela Constituição, desde que mantenham os serviços essenciais.

A volta do frio
Uma massa de ar polar de forte intensidade deve ingressar no RS nas próximas horas, trazendo o frio de volta no final de semana. Depois das altas temperaturas dos últimos dias, a partir da tarde de hoje, os efeitos do ar frio serão sentidos em algumas regiões.

Getúlio
Da coluna do Ancelmo Góis: É de Vargas uma frase muito atual: “A metade dos meus homens de governo não é capaz de anda, e a outra metade é capaz de tudo”.

Fundo de Garantia
O governo decidiu apertar a fiscalização sobre os dados de funcionários fornecidos pelas empresas. Será exigida, a partir de janeiro, uma única declaração sobre a folha de pagamento, em substituição aos 11 documentos encaminhados aos diferentes órgãos públicos.


Bom dia
As primeiras horas da manhã do dia 24 de agosto de 1954 foram de perplexidade para os brasileiros. O Brasil começava a acordar com a notícia, divulgada em Edição Extraordinária do Repórter Esso, informando que o Presidente Getúlio Vargas havia se suicidado, com um tiro no coração, em pleno Palácio do Catete, no Rio de Janeiro.
Hoje, passados 58 anos, mesmo os que não conviveram com ele e com aqueles tempos, até os que discordaram de Getúlio, reconhecem a importância de Vargas para o Brasil.
Para lembrar e homenagear o dia 24 de agosto fui buscar uma crônica publicada no dia 25 de agosto de 1954, no semanário local Hoje, escrita por Sérgio Jockyman, dramaturgo, jornalista, escritor e cronista. Pedi, também, a meu companheiro, amigo e colega Carlos Bastos, reconhecido como um dos maiores jornalistas do Rio Grande do Sul, trabalhista, que contasse como foi a manhã do dia 24 de agosto de 1954.
Para emoldurar os textos brilhantes do Jockyman e do Bastos, fui catar a marchinha Retrato do Velho, gravada por Francisco Alves, o Rei da Voz, que embalou a campanha de Vargas em 1950.
A história de Getúlio Vargas e o dia 24 de agosto são motivos especiais para que todos reflitam enquanto lhes desejo Bom Dia!


Há um homem pelas ruas
Sérgio Jockyman

Muitos estiveram junto dele e não o viram. Muitos tocaram suas mãos e não o sentiram. Muitos desejaram suas palavras, mas não o ouviram. Muitos juram que ele não existe, mas há um homem pelas ruas. Ele estava na frente do povo na terça feira. Ele subiu também as escadas, comandando a revolta. Ele rompeu as portas, ele destruiu e queimou junto com o povo. Muitos falavam no seu nome, mas ninguém o viu. Quanto muitos choravam eram dele as palavras de consolo. Só ele sabia que a revolta também era um pranto. Só ele sabia que aquele povo que depredou e destruiu estava apenas à procura de justiça;
Há um homem pelas ruas. Um homem que sabe que foi melhor trocar fogo e destruição por sangue e sacrifício. Onde estava ele? Andu pelas favelas de Recife, pelas ruas estreitas de São Luiz, pelo asfalto do Rio, pelos arranha-céus de São Paulo, pelas ruas de Porto Alegre. Quando o povo recuava diante dos fuzis e das baionetas, ele sorria.
Há um homem pelas ruas que não teme metralhadoras, que não teme fuzis, que não teme baionetas.
Ele estava na mira de todas as armas, mas inatingível para todas elas. Passou com um sorriso pelos tanques, e com um sorriso tocou o cano das metralhadoras. Detiveram o povo com fileiras de soldados, mas ele passou incólume por elas.
Há um homem pelas ruas, que não poderá mais ser detido com exércitos.
Há um homem pelas ruas, que não poderá mais ser preso ou sacrificado. Cautela com ele. Ele deverá votar em todas as urnas do Brasil. Mesa por mesa, secção por secção. Seus votos se multiplicarão e são uma garantia de vitória.
Há um homem pelas ruas que vai ser o mais votado do Brasil. Embora as leis eleitorais o proíbam, ele será candidato milhares de vezes para milhares de postos. Seu nome figura nas listas de candidatos à Assembléia legislativa, mas também nas listas de candidatos à Câmara Federal. Ele é candidato a todas as cadeiras do Senado, a todos os governos estaduais do Brasil. Não há máquina política, nem publicidade ciclópica que o possa vencer.
Há um homem pelas ruas acima das leis, acima dos regulamentos. Ele vai despertar um por um daqueles que um dia ouviram seu nome. E muito daqueles que desgostaram seu nome, passarão a venerar a sua memória. Nenhum cabo eleitoral distribuirá tantas cédulas quanto ele. Entre ricos e pobres, entre homens e mulheres, entre jovens e velhos estará o se nome. Ainda existirá alguém que o persiga. Mas por mais que procure, por mais que busque e investigue, não o encontrará.
Cerrarão as portas e assim mesmo ele entrará. Deixarão guardas, mas assim mesmo ele passará. Dirão e escreverão que ele não é bom, mas ninguém creditará. E durante muitos anos, aqueles que veneram o seu nome terão o poder e a glória.
Muitos baterão no peito e dirão: eu fui seu amigo. Mas ele desvendará as intenções, e todos os seus saberão que aqueles mentem. Embora ele sorria, os seus inimigos tremerão. Ele deitou a confusão entre os que os procuravam e combatiam. E quando disseram: ele não mais existe, ele os destruiu.
Há um homem pelas ruas. Muitos poderão falar e aconselhar, pedir e admoestar, mas só ele poderá dar ou tirar a ordem e a tranqüilidade. Não há bala que o atinja, não há calúnia que o fira. Virão novos Presidentes, mas ele será o único existente. Muitas vidas passarão, mas ele não perecerá.
Há um homem pelas ruas além da vida, alem da morte, além do tempo. Há um homem que descerrará os portões dos quartéis e sem uma palavra desarmará as mãos quem se erguerem contra ele.
Há um homem pelas ruas mais forte que exércitos, mais forte que leis, mais forte que os Partidos, mais forte que laços de sangue, que sentimentos de pátria. Chamava-se Getúlio Dornelles Vargas, hoje não se chama mais. Pode ter errado, pode ter caído não uma, mas várias vezes, pode ter feito tudo o que dizem, tudo o que ainda dirão, mas nada disso importará.
Há um homem pelas ruas que se chamava Getúlio Dornelles Vargas, mas hoje não se chama mais. Os que procuram um nome poderão dizer que ele é: revolta, justiça, ideal, ação ou qualquer outra palavra. Mas, embora podendo ser tudo que dizem, na verdade não o é. Os que o adoram, os que simpatizam com ele, os que o lamentam, os que se apiadam dele não o vão recordar por ter sido Getúlio Dornelles Vargas, não por ter sido Presidente do Brasil, não por ter sido chefe de Partido, não por ter sido líder de qualquer coisa, mas simplesmente por ter sido um homem.
Há um homem pelas ruas...mais forte que o tempo, mais forte que a vida. Um homem que se chamou Getúlio Dornelles Vargas, mas que não se chama mais. Chama-se apenas: um homem.

Getúlio morreu e Porto Alegre se rebelou
Carlos Bastos

24 de agosto de 1954. Acordei com minha mãe dizendo que o Reporter Esso da Rádio Nacional, apresentado pelo locutor Heron Domingues, informara que o presidente Getúlio Vargas tinha se suicidado. Inventei uma história qualquer, algum compromisso no colégio, e me desloquei para a região central da cidade. O povo de Porto Alegre tinha se rebelado, revoltando-se com a morte trágica do presidente. Pagaram o pato órgãos vinculados aos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, como o jornal do Diário de Notícias  na rua da Praia, e a Rádio Farroupilha, no alto do viaduto Otávio Rocha, na esquina da rua Duque de Caxias com a avenida Borges de Medeiros. O povo incendiou também o jornal O Estado do Rio Grande, do Partido Libertador, de Raul Pilla, que integrava a pesada oposição a Vargas, juntamente com a UDN de Carlos de Lacerda. A multidão promoveu um quebra-quebra no consulado dos Estados Unidos, na esquina da Marechal Floriano com a Rua da Praia.  
O portoalegrense se insurgiu contra o desfecho trágico daquela madrugada. E as rádios começaram a revelar o conteúdo da antológica Carta Testamento de Vargas. E a revolta popular recrudesceu e tudo que se referia aos Estados Unidos era atacado pela multidão rebelada. Isto aconteceu com as tradicionais Lojas Americanas, na Rua da Praia, a Importadora Americana, na Rua Doutor Flores, e a conhecidíssima American Boite, na tradicional Voluntários da Pátria. Eu dei muito azar neste dia. Em todos os locais eu chegava depois que a depredação já acontecera. Mas eu pude ver de perto um grupo de manifestantes rebelados próximo ao Mercado Público, onde hoje se localiza o Largo Glênio Perez. Nas suas feições deixavam patente sua revolta. Demonstravam que estavam possuídos de um sentimento de raiva, e até ódio, pela forma trágica como seu líder passou para a eternidade. Eles estavam inconformados e não aceitavam a sórdida campanha que levou Vargas ao suicídio. Ele que depois de assumir o Poder em 1930 transformou o Brasil que tinha uma economia rural e reformou este país numa potencia industrial. Em seu período ditatorial criou a Consolidação das Leis do Trabalho, implantou a siderurgia nacional com Volta Redonda. E aqueles homens e mulheres com seus cabelos arrepiados de revolta, e suas feições contristadas pela morte do grande estadista, davam expansão à sua rebeldia. Eles lembravam que Getúlio em seu governo democrático criara a Petrobrás e a Eletrobrás. E davam vazão aos seus instintos demolidores. Nada conseguia detê-los em sua sanha destrutiva.
Aquele 24 de agosto de 1954 ficou gravado na minha retina. Gravei toda a destruição promovida pela multidão enraivecida. Eu tinha naquela oportunidade 20 anos de idade, e marquei a fisionomia de um casal que deveriam ter uns trinta anos.  Os dois estavam revoltadíssimos.  E à frente da multidão o casal caminhava de um lado para outro, e o povo seguia atrás. Na sua agitação, na sua determinação, na sua rebeldia, eles estavam comandando a multidão. E eu fiquei pensando com meus botões o que seriam na vida aqueles dois jovens. O que os levara a tamanha indignação. Toda aquela reação era movida pela idolatria que tinham por Vargas. Durante muitos anos cruzei pelo casal de rebeldes na Rua da Praia ou em outros locais do centro de Porto Alegre. Eles tinham voltado para sua vida rotineira. Há muito tempo perdi-os de vista. Ou estão gozando de uma aposentadoria, e estão recolhidos em sua casa, ou já partiram, pois a vida não é eterna.