Estou impressionado com a repercussão do artigo do
jornalista César Cabral sobre a necessidade do diploma ou registro para o exercício
da profissão. Hoje estou publicando a segunda parte. Não perca.
“Para ser jornalista, é preciso ter uma formação cultural, sólida,
científica ou humanística”.
César Cabral*
Argumentos prós e contras ao tal diploma não faltam. E
tampouco exemplos. Carl Bernstein e Bob Woodward, dois repórteres do jornal
Washington Post, dos Estados Unidos, publicaram na primeira página, em 1972, a
invasão do Comitê Nacional do Partido Democrata norte americano, instalado em
um dos prédios do complexo de edifícios chamado Watergate.
Durante meses a dupla de repórteres investigou o caso, que
ficou conhecido como “o caso Watergate” até descobrirem ligações da Casa
Branca, ocupada por Richard Nixon do Partido Republicano. O Presidente Nixon
mandara invadir a sede do Comitê Nacional do Partido Democrata. Esses dois
jornalistas sem diploma provaram que o Presidente era o mandante. Nixon
renunciou. Nos EEUU não existe essa tola exigência de diploma de curso de
jornalismo e nem na maioria dos países europeus.
José de Alencar, Graciliano Ramos, Rui Barbosa, Guimarães
Rosa, Joel Silveira, Guilherme de Almeida, Quintino Bocaiúva, Paulo Francis,
Fernando Sabino, Tarso de Castro, Samuel Wainer, Líbero Badaró, todos dessa
terra brasilina, foram jornalistas sem diploma. E Dostoiewisky, Truman Capote,
Joseph Pulitzer, Bertie Forbes, Benjamim Franklin, Benito Mussolini, também
foram, entre tantos e tantos outros, jornalistas sem diploma como é Hélio
Fernandes, Sebastião Nery, Carlos Chagas, Mino Carta, Merval Pereira... A lista
é longa e deixo de citar jornalistas da minha época em minha cidade para não
cometer uma insuficiência de equidade com os que já morreram e com os que ainda
estão em atividade.
A exigência do diploma de curso de jornalista para
jornalistas exercerem a profissão, foi uma imposição da Ditadura Militar em
1969 com o evidente intuito de controlar os jornalistas, já que todos deveriam
estar registrados no Ministério do Trabalho. Mas depois da ditadura o Congresso
entendeu que deveria aprovar a chamada PEC do Diploma. Um projeto de lei de
emenda constitucional. E ponto final. Sem diploma de jornalismo ninguém
trabalha mais em nenhuma redação. Cláudio Abramo escreveu em "A Regra do
Jogo": "Para ser jornalista, é preciso ter uma formação cultural
sólida, científica ou humanística. Mas as escolas são precárias. Como dar um
curso sobre algo que nem eu consigo definir direito? Trabalhei 40 anos em
jornal e acho muito difícil definir o que meia dúzia de atrevidos em Brasília
definem como curso de jornalismo. Foi o que fez o patife do Gama e Silva
(ministro da Justiça de Costa e Silva), que elaborou a lei para tirar os
comunistas dos jornais". Quando da aprovação no Congresso dessa lei de
obrigatoriedade, o senador Aloysio Nunes, único a se manifestar contra a
proposta levantou a tampa onde a verdade estava escondida: ”interessa (a lei)
sobretudo aos donos de faculdades privadas ruins, arapucas que não ensinam nada
e que vendem a ilusão de um futuro profissional. Não interessa o público envolvido
nisso,pelo contrário, a profissão de jornalismo diz respeito diretamente à
liberdade de expressão do pensamento, de modo que não pode estar sujeita a
nenhum tipo de exigência legal e nem mesmo constitucional".
Defendo que liberdade de expressão não significa apenas
jornalismo. Mas é dela que advém o jornalismo. E que
há jornalistas tão bons ou tão maus profissionais com ou sem diploma.
Que qualquer pessoa que queira e saiba escrever pode
publicar suas convicções sejam elas as quais forem. Que um bom texto de um médico pode ser
publicado, se o editor quiser, ou pode ser rejeitado. Penso que é desejável que jornalistas
tenham um curso superior que lhes garanta pensar como jornalista, entender os problemas do
contexto histórico em que está
inserido; as situações que regem a sociedade atual e poder
compará-las com outras, de outras épocas e fazer a correlação entre elas; e
outras questões que se aprende com a dedicação e o estudo formal em bancos escolares ou pela busca de
conhecimentos por outros meios. E não se trata apenas disso; jornalistas
precisam de outros saberes e devem ter consigo uma visão da sociedade para
muito além dela. Se tiverem outras graduações, tanto melhor, mas não é
essencial.
Além disso, um jornalista deve saber escrever.
Além disso, um jornalista deve saber escrever; conhecer sua
língua, saber usá-la, pois ela é seu único meio de expressão, seja escrevendo
ou falando. Entendo que reduzo meu pensamento a respeito desse assunto
simplificando ao máximo uma definição para jornalismo: informar e opinar.
Simples, não simplório. Falo de juízo de fato e juízo de valor. Quando um
jornalista trata de um acontecimento, quando diz as coisas como elas são,
quando e por que são, faz um juízo de fato. Quando avalia o acontecimento, faz um
juízo de valor. É a isso que me refiro.
Não é o diploma nem o registro que possibilita isso. Haja
vista o que se lê em jornais e revistas impressas e/ou nas edições eletrônicas.
Sob constante pressão dos sindicatos e a má qualidade dos cursos universitários,
essa exigência esdrúxula, entope as redações de incapazes providos de
admiráveis e belas traquitanas telefônicas, algumas delas com piscina, garagem
para três carros e quadra poliesportiva; e nas quais, também poderem ouvir e de
serem ouvidos, é claro.
Repórter tem que ir para a rua e não esperar o “retorno da
assessoria”, que em geral não vem.
E publicar “não recebemos retorno até o fechamento dessa
matéria”. Deveriam acrescentar: dessa matéria burra, sem pé nem cabeça, incompreensível,
devido a minha caímica preguiça.
Quem precisa de diploma de jornalista para escrever que
"o Enem “inscreve” 4,5 milhões de estudantes", quando deveriam saber que o Enem não
“inscreve”; são os alunos que “se inscrevem” no Enem. Ou que “os jornais estrangeiros repercutiram....”.
Os jornais não repercutem nada. O acontecimento é que repercute nos jornais
estrangeiros, nas conversas de esquina, nos bares e sei eu lá mais onde. Afora
isso todos sofrem das síndromes do “tem”, do“suspeito”, do “teria” e de
outros verbos no condicional ( eu sei,
eu sei: é a lei etc e tal), além de escreverem e falarem as “chuvas que caíram
durante a noite...”, “as águas do rio...”, “as areias da praia...” hoje em dia
sempre no plural, o que me faz pensar em diversas águas num mesmo rio, várias
chuvas noturnas e a praia de Copacabana tomada de jovens encantados com
Francisco em milhares de areias.
Mesmo com diploma eles não sabem a diferença entre “ser e
estar”, “ter e haver”, “a onde e onde”, “em frente”, “defronte” e “na frente”...
“Colisão mata três pessoas e deixa uma ferida”. Deixar pode
se referir ao substantivo espólio (herança, legado); aos verbos abandonar ou
aceitar (permite,tolera,consente), afastar (apartar-se de) ,desaproveitar
(desperdiça,despreza,perde) herdar (passar para) e sair, que é o mais usado.
Portanto o verbo deixar não se aplica ao título da matéria, já que devido à
colisão, além dos mortos uma pessoa ficou ferida. Além do mais fico em dúvidas
e a pensar o que colidiu com o que para matar três pessoas e ferir uma.
Pior é nos canais de TV pagos quando os jornalistas fazem a
cobertura de um uma tragédia, ao vivo, sem texto escrito pra ser lido. Assisti outro dia a
reportagem de um incêndio que era narrado assim: “agora vemos um foco de fogo a
direita do seu vídeo bem mais intenso. Isso é sinal de que o incêndio ainda não
está totalmente dominado.” São nessas ocasiões que dou gargalhadas vendo
tragédia na televisão. Deveria chorar, mas é impossível.
Com diploma e registro, certos jornalistas escrevem mal e do
mesmo jeito que falam com a turma no barzinho da esquina – como aquela repórter de TV
ainda cheirando a sala de aula que disse: “conta aí pra gente...” acreditando estar com
essa “promiscuidade jornalística” fazendo uma reportagem. O entrevistado era “apenas” o
Secretario de Infraestrutura e oassunto era “só” a brutal e eterna seca do Nordeste.
Quando um prédio em construção desabou recentemente, matando
dezenas de pessoas e ferindo outras tantas, com a chegada dos cães farejadores da
Polícia Militar a “narradora” de um canal de TV pago, sem texto, tendo que
improvisar, disse que os cães “acham possíveis desaparecidos nos escombros
porque cheiram peças de roupas das vítimas”. Na verdade os cães são treinados
para cheirar sangue e urina, o que indica alguma vítima, explicou em seguida o
comandante do Corpo de Bombeiros. Foi aí que tive um ataque de riso e para não
morrer de tanta risada desliguei a televisão.
*Escritor e jornalista
-Amanhã (25) última parte.