"A presidente comeu feito uma gringa legítima"
Cesar Cabral*
A palavra gringo (a), afirmam os que entendem desse assunto,
tanto pode ter origem espanhola como portuguesa. Como podemos viver ainda
alguns anos ou o que seja a vida toda com essa dúvida? Isso não tem a menor
importância; ou nenhuma.
Mas, na certa, os mexicanos que odeiam os americanos – só os
que odeiam – se referem a eles com gringos. Mas, em geral é aceito como um
tratamento ora pejorativo, ora nem tanto, aqui no Brasil, para todo e qualquer
estrangeiro.
Porém, no Rio Grande do Sul, gringos são os italianos colonizadores
da serra gaúcha vindos da região do Vêneto, Itália; e eles não se tratam de
gringo entre si. Por isso me chama atenção o fato do dono da galeteria onde
Dilma almoçou, em Caxias do Sul, ter se referido a ela como “uma gringa”. As coisas mudam; talvez tenham mudado.
Vivi desde dois ou três meses de idade, depois de nascer em
Porto Alegre, em Veranópolis - na época chamada Alfredo Chaves - até do meio pro
fim da minha adolescência. Passei a Segunda Guerra Mundial lá e aprendi a falar
o Talian, proibido por Getulio Vargas, em seu acerbado e interesseiro
nacionalismo, fechando escolas e prendendo quem falasse esse dialeto italiano
veneziano; todos os habitantes da pequena cidade.
A Visita da Dilma a Caxias para participar a abertura da
Festa da Uva é ritual de qualquer presidente de plantão. Mas o destaque da
imprensa local para o almoço de Dilma é tão provinciano quanto inútil. Dilma é
filha de gringo búlgaro e a única gaúcha nascida em Belo Horizonte; uma
impossibilidade física tão incompreensível quanto a doutrina trinitarista do
cristianismo católico. Fora da razão kantiana, só mesmo a fé. Pois a “gringa”
comeu de “monton”: fettuccine ao molho de tomate seco, e repetiu, (todos sabem
que é aquela “pasta” larga ao contrário do spagetti que é fino e roliço).
Depois saboreou Tortéi, que a “gringa” queria comer mais, não fosse o fato de ter
reclamado da massa, “que passou tarde”(!). Depois de repetir um prato de
fettuccine, comer Tortéi, vai deixar a “gringa” ainda mais gorda e com
problemas de saúde, sobretudo diabetes, se empanturrando de carboidratos desse
jeito.
De uma olhada nessa que é a legitima Tortéi, que eu preparo
com relativo sucesso: 1 kg de farinha de trigo. Sal a gosto. 5 colheres de óleo.
1 ovo. Leite ou água para a massa. Água fervente o suficiente para cozinhar com
sal a gosto e um fio de óleo. Recheio: 1 abóbora grande cozida em pedaços e
espremida ainda quente, preferência abóbora cabotia. Sal e pimenta a gosto. 1
cebola média picadinha. 1 tomate médio picadinho. Cebolinha e salsinha a gosto picadas.
Molho: 1 Kg de carne moída. Sal e pimenta a gosto. 2 embalagens de molho de
tomate. 1 folha de louro. 1 cebola média picada. 2 dentes de alho amassados. 2
colheres de sopa de óleo.
Depois foi servida polenta brustolada (que não afaço a menor
ideia o que é isso, mas creio que sabemos todos nós o que é uma polenta) e
depois o galeto, que disse ter ficado impressionada com o sabor. Até onde se
sabe galeto é galeto e tem sabor de galeto; só não sabe quem nunca comeu, e como
também se sabe quem nunca comeu, quando come se lambuza. E bebeu uma taça de vinho
merlot e de sobremesa comeu sagu com creme. Pra encerrar o “frugal almoço” de
um dia de semana, bebeu café passado na hora. “Ela não bebe café expresso”, disse Osmar.
Depois disso, lembrei que “o grelo do bacalhau da Dilma é
fresco e comestível”; como explicou o Chef Camilo Jaña, do restaurante Cafeína,
cidade do Porto em Portugal, quando Dilma esteve por lá em 2012. Nesse delírio imaginei
a “gringa” esfregando a pança e arrotando o que evidentemente não aconteceu
devido a sua fina educação, sua sociabilidade, além do rigor formal e
protocolar que o cargo lhe impõe.
Deigles Pereira, o garçom, concluiu que a “gringa” leva o
trabalho a sério. Maravilhado, foi assim que descobriu esse fantástico desempenho:
-“Ela ligou para o Aloisio Mercadante e alguém quis passar a ligação para uma assessora
dele. Ela disse que não, que só falaria com o Mercadante em pessoa. E rapidinho
ele atendeu. Deu pra ver que a mulher leva o trabalho a serio mesmo.” Deigles,
o garçom enxerido, que fica ouvindo a conversa dos outros, deduziu e concluiu;
ele é um farsante, legitimo representante do típico eleitor brasileiro. Já
participei de várias eleições, desde a primeira vez, na Radio Guaíba, na companhia
do Dr. Paulo Milano, de Kombi, dirigida por ele, percorrendo sessões eleitorais
em busca de notícias. E também participei de mais outras campanhas eleitorais em
outros Estados. Nas pesquisas de intenção de voto o que mais, sempre, me chamou
atenção, foram os motivos pelos quais os eleitores votavam em cicrano ou
beltrano: ele trabalha (ou vai trabalhar – no Brasil trabalhar é uma
qualificação do indivíduo); ele merece (ninguém pode ser eleito por merecimento
pelo simples fato de que um cargo político não poder ser exercido com ações merecedoras
– competência, dedicação e conhecimento não são sinônimos de merecimento); ele
(a) é bonito (a); simpatia e outras bobagens totalmente desprovidas de uma ideologia
e de um saber a quem se está entregando a chave do nosso cofre.
Depois do almoço na galeteria, a “gringa”, como disse Osmar
ao vê-la comer tão bem e tanto, dono da Galeteria Casa Di Paolo, (não pronuncie
Paôlo, pela ira de Baco. Isso não existe na Itália. Foi uma invenção da TV
Globo numa novela contando a história desses “gringons”). Pois a “gringa” tirou
fotos e foi-se.
Enquanto isso, longe dali, Felipão debulhava milho, um dos
eventos tradicionais da Festa da Uva, como se fosso um “gringon” de Caxias.
Quem sabe se por ter jogado futebol no Caxias e no Juventude; era
zagueiro...médio. Mediano é melhor, Só que ele é um “gringon” de Passo Fundo,
onde nasceu.
*Jornalista e escritor