O
cucaracha preconceituoso
André
Machado*
Bastariam
apenas os insultos racistas contra o volante Tinga em jogo da Libertadores da
América para que o odioso preconceito nos revoltasse. Como se não bastasse no
mesmo dia as redes sociais fazem circular um vídeo onde um parlamentar
brasileiro diz que quilombolas, indígenas, gays e lésbicas são “tudo que não
presta”. E como a emenda é sempre pior que o soneto, o deputado Luiz Carlos
Heinze (PP-RS) justificou-se ontem em Zero Hora tratando as minorias por “estas
coisas” e alega não ter nada contra “bichas”. Só faltou chamar lésbica de
“sapatão”.
O vídeo que desnuda a essência de um parlamentar reflete o
preconceito que se repete em muitos lares brasileiros. Quem trata minorias como
“coisas ruins” também costuma divertir-se com piadas que discriminam e fazem
rir os falsos “quatrocentões” brasileiros que imaginam-se “WASPs
norte-americanos: brancos anglo-saxões. Não o são.
Somos latinos e isto já basta para sermos olhados de jeito
atravessado em boa parte do mundo setentrional. E somos latinos-americanos. Somos
”cucarachas” e ainda nos sentimos no
direito de ter preconceito contra alguém? O que tem que ser abominada é a falta
de justiça social, a desigualdade, o determinismo, o autoritarismo, a
violência. Não o ser humano.
O pensamento do deputado Heinze lembra muito as falas do
personagem de Antônio Fagundes na novela Amor à Vida. Ao descobrir que o filho
era gay, o médico reconhecido afirmava categoricamente “não ter preconceito”,
mas vociferava que “filho meu tem que ser macho”. É o pior preconceito, aquele
que se disfarça em tolerância.
Há poucos dias ouvi uma pérola em uma padaria do bairro Menino
Deus, em Porto Alegre. O cliente dizia à proprietária do estabelecimento que
“iria dar uma de negrão”. Fiquei pensando na dimensão da expressão. Certamente
ele não se referia a submeter-se a salários inferiores ao dos brancos ou em ver
a sua juventude exterminada pela luta do tráfico no país. Ele certamente nada
sabe sobre preconceito e discriminação e imagina-se apenas “bem-humorado”.
Esta, aliás, é uma desculpa frequente entre os preconceituosos.
Acusam os que denunciam a discriminação como pessoas de mau humor. Ou alguém
que lê este artigo nunca falou “programa de índio” ao referir-se a algo chato?
Não se trata do Império do Politicamente Correto, mas do respeito ao ser humano
do jeito que ele é. Gostaria que o deputado Heinze refletisse a respeito.
* Jornalista