Editorial do
jornal O Estado de São Paulo publicado na edição deste sábado, dia 20 de
setembro
As 'cartas sem
selo' do PT
O ESTADO DE
S.PAULO
20 Setembro 2014
Quando discutem os prós e os contras
do direito à reeleição dos detentores de mandatos executivos, costuma-se pôr em
um prato da balança os ganhos de estabilidade política e coerência
administrativa proporcionados, nos regimes presidencialistas, pela
possibilidade aberta a prefeitos, governadores e presidente da República de
conquistar um segundo período de governo. No outro prato, contrapõe-se o
inevitável desequilíbrio de oportunidades eleitorais que a modalidade acarreta.
À parte quaisquer outros fatores e as
eventuais medidas para aplainar por igual o campo da disputa, mesmo o mais
austero e ético dos candidatos incumbentes dificilmente abrirá mão dos seus
recursos de poder para percorrer com o máximo de conforto a nova jornada rumo
às urnas. O fato de, nos Estados Unidos, a regra ser a reeleição do ocupante da
Casa Branca e a grande exceção ser o seu despejo não resulta de uma improvável
superioridade intrínseca dos mandatários de turno sobre os rivais empenhados em
desalojá-los.
A menos que carreguem nas costas
quatro anos de governo desastroso ou sejam responsabilizados por um único
fiasco de grandes proporções - como o patético fracasso da expedição ordenada
em abril de 1980 pelo então presidente Jimmy Carter para resgatar 52 reféns
americanos no Irã, o que acabou com as suas chances de reeleição -, o tiro de
largada das corridas presidenciais já encontra o ocupante do cargo à frente dos
adversários de prontidão na raia.
Mas, conforme a mentalidade do interessado
e os usos e costumes de seu partido, não há preço que pague manter, se não
ampliar, essa vantagem. A expressão, nesses casos, não se esgota no sentido
estrito de gastança desabrida pelo voto nem tampouco na posta em marcha de
grandes baixarias para solapar, entre as parcelas mais desinformadas do
eleitorado, eventuais preferências por um ou outro dos demais candidatos.
Abrange também um vasto rol de malandragens comparativamente miúdas.
Quando vem a público um desses
"pequenos assassinatos", entende-se melhor o que significa, no nível
da sarjeta, "fazer o diabo" para ganhar eleições, na inesquecível
confissão da petista Dilma Rousseff. O exemplo da hora é o trambique armado nos
Correios pela sua campanha. Quando um usuário se prepara para despachar um grande
número de mensagens do mesmo tipo - a chamada "mala direta postal
domiciliária" -, deve ele próprio chancelar, uma a uma, as peças a serem
enviadas.
Ou seja, imprimir os seus dados.
Tratando-se de propaganda eleitoral, devem constar ainda o nome do remetente, o
CNPJ, o ano do pleito e a origem da postagem. Isso é necessário para que os
Correios saibam quantos exemplares farão chegar aos destinatários e cobrar de
acordo.
Mas, como apuraram os repórteres Andreza Matais e Fábio Fabrini, da
sucursal de Brasília do Estado, a estatal aceitou entregar alegados 4,8 milhões
de folhetos pedindo votos para Dilma sem o necessário registro de controle.
"Alegados" porque, embora a campanha tenha pago pelo serviço, não se
tem como conferir se o total foi de fato aquele ou maior.
"O cara entrega 1 milhão de
impressos para serem distribuídos", argumenta o ex-presidente dos Correios
João Henrique de Almeida Souza. "Se não tiver a chancela, como é que eu
sei se a quantidade é essa mesma?". "É como entregar uma carta sem o
selo", resume o coordenador-geral do Sindicato dos Trabalhadores dos
Correios e Telégrafos, Luís Aparecido de Moraes. Quem autorizou, "em
caráter excepcional", a remessa daqueles milhões de cartas sem selo foi um
departamento da empresa chefiado por um certo Wilson Abadio de Oliveira,
afilhado político do vice de Dilma, o peemedebista Michel Temer.
Em nota, os Correios justificaram a
facilidade a pedido do PT para não ter de inutilizar o material. A autorização,
prevista nos seus procedimentos, já teria sido dada a clientes, não
identificados, "de diversos partidos políticos". De todo modo, é
sabido que a estatal se tornou um feudo do PT desde que, em fins de 2010, Dilma
nomeou para comandá-la o sindicalista Wagner Pinheiro, filiado à legenda no Rio
de Janeiro. Os petistas radicalizaram a lei de Gérson: nada é pequeno demais
para dele não se tirar vantagem.