Há sinceridade
nisso?
O ESTADO DE
S.PAULO
21 Dezembro 2014
Antes tarde do que nunca. Dilma
Rousseff valeu-se da solenidade de sua diplomação para o próximo mandato na
Presidência da República para propor à sociedade brasileira um pacto contra a
corrupção. A manifestação presidencial ocorreu simultaneamente a novas
revelações sobre o escândalo da Petrobrás, desta vez relativas à participação
de políticos, parlamentares e altas autoridades governamentais no esquema de
propinas que abasteceram a campanha eleitoral de 2010, de acordo com a delação
premiada do ex-diretor da estatal Paulo Roberto Costa.
Ninguém com um mínimo de boa vontade
e apreço pelos valores éticos que devem imperar na vida pública pode deixar de
reconhecer a importância da proposta de Dilma Rousseff. Mas o retrospecto
político de 12 anos de governos petistas e recentes manifestações de líderes do
partido do governo, especialmente o ex-presidente Lula, aconselham alguma
cautela diante das expectativas que a exortação presidencial pode gerar, do
ponto de vista da sua exequibilidade, nas circunstâncias de tempo e de lugar em
que vivemos. Pode-se, no limite, chegar mesmo a um questionamento mais radical:
há sinceridade nisso?
A questão central é que a corrupção
que se alastra de modo alarmante pelo aparelho governamental, embora sirva,
obviamente, para satisfazer o pantagruélico apetite por dinheiro de
delinquentes disfarçados de servidores ou de mandatários públicos, é movida
essencialmente pela ambição de poder - de médio e de longo prazos - de
políticos que precisam manter permanentemente azeitadas, a um custo operacional
cada vez mais alto, as engrenagens da máquina de fazer votos, no seu sentido
mais amplo e diversificado.
Quando se fala em ambição de poder
vem desde logo à mente o mais consistente, obstinado e despreocupado com
valores éticos (em eleições faz-se "o diabo") projeto de poder que
ocupa a cena política no País: o do Partido dos Trabalhadores. Esse é o partido
que sustenta a presidente que agora proclama: "Temos que fechar as portas,
todas as portas, para a corrupção". Como é fácil de entender que, mesmo
que queira, jamais terá condições objetivas de fechar "todas as
portas" às prioridades partidárias sobre as quais ela própria exerce
escassa influência, a questão que se coloca é a seguinte: Dilma combinou com o
PT, no que diz respeito à Petrobrás, por exemplo, "apurar com o rigor os
malfeitos" e "implantar a mais eficiente estrutura de governança e
controle que uma estatal já teve no Brasil"? Ou corre-se o risco de que,
eventualmente condenados nos processos decorrentes do escândalo da Petrobrás,
petistas de alto escalão sejam imediatamente elevados à categoria de
"guerreiros do povo brasileiro" pelo comando e pela militância do
partido?
A própria presidente, em seu discurso
de diplomação, a pretexto de defender a Petrobrás, deixou claro que o escândalo
das propinas é uma simples questão de ponto de vista: "Temos que punir as
pessoas, não destruir as empresas. Temos que saber punir o crime, não
prejudicar o País ou sua economia. Temos que fechar as portas, todas as portas,
para a corrupção. Não temos que fechá-las para o crescimento, o progresso e o
emprego". Traduzindo: quem é contra a corrupção deseja, na verdade,
"destruir as empresas". Pretende, de fato, "prejudicar o País ou
sua economia". Ambiciona, certamente, fechar as portas "para o crescimento,
o progresso e o emprego".
Não por coincidência, no mesmo dia,
ao discursar em solenidade no Ministério da Justiça, o criador de Dilma e desde
já candidato à sucessão da pupila em 2018, recorreu a sua habitual sutileza na
clara tentativa de desqualificar as investigações do escândalo da Petrobrás.
Diante do presidente do STF, do ministro da Justiça e do procurador-geral da
República, Lula acusou a imprensa de promover, na cobertura da Operação Lava
Jato, um "linchamento midiático"; aos encarregados pela investigação,
de praticar, obviamente com fins escusos, o "vazamento seletivo" de
informações; e, a todos eles, de agir "com indisfarçável objetivo
político-partidário".
Voltando, então, ao pacto contra a
corrupção que Dilma propõe: há sinceridade nisso?