Um dos editoriais do jornal Estado de São Paulo - Riscos de uma agenda anacrônica - desta quarta-feira, mostra a contradição explícita do governo Dilma. É uma leitura recomendável.
Riscos
de uma agenda anacrônica
O
ESTADO DE S.PAULO
07 Janeiro 2015
No mesmo dia em que a ministra da Agricultura, Kátia
Abreu, afirmou que "não há mais latifúndios no Brasil" e que o País
precisa apenas de uma "reforma agrária pontual", o ministro do
Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, disse exatamente o oposto. Ele
anunciou que patrocinará um debate sobre dois temas "sensíveis para os
grandes proprietários de terras" - a função social da propriedade rural e
a função social da terra. E também defendeu a revisão do índice de
produtividade das propriedades rurais, para definir as áreas passíveis de
desapropriação para reforma agrária.
"Ainda temos um caminho a percorrer nessa questão no País e
a própria criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário é prova disso.
Precisamos avançar mais na questão da função social da terra e da função social
da propriedade rural", afirmou Ananias, depois de se apresentar como
interlocutor de trabalhadores sem-terra, movimentos agrários, agricultores familiares
e pequenos e médios produtores rurais. Kátia Abreu, por sua vez, observou que
não faz sentido "usar discurso velho, antigo, irreal para justificar a
reforma agrária".
As duas falas não são fatos isolados. Elas ilustram as
contradições do novo governo da presidente Dilma Rousseff em matéria de
políticas públicas. Também sinalizam os confrontos que certamente surgirão nos
próximos meses na máquina administrativa, por absoluta falta de diretrizes
programáticas. E ainda mostram que a agenda política do País poderá retroceder
às décadas de 1950 e 1960, quando o tema da "função social" da terra
e da propriedade privada animava acirrados debates ideológicos.
Filho de fazendeiro de porte médio e advogado de sindicatos
trabalhistas com intensa militância na Igreja Católica e fortes vinculações com
movimentos sociais, Patrus Ananias afirma que, apesar de o direito à
propriedade privada ser uma "conquista civilizatória", seu exercício
estaria condicionado por valores morais e por outros dispositivos assegurados
pela Constituição - como o direito ao trabalho, a proteção ambiental e o
princípio da dignidade da pessoa humana. "A questão da propriedade deve
estar atrelada a outros direitos", observa o ministro do Desenvolvimento
Agrário, ao justificar o debate sobre o conceito da função social da
propriedade rural e da terra.
Patrus Ananias é coerente com os princípios éticos, religiosos e
políticos que sempre defendeu, mas está preso a uma visão de mundo superada,
incapaz de perceber que promover justiça social não se resume a desapropriar
terras produtivas de grandes proprietários e distribuí-las a trabalhadores
rurais sem o preparo para explorá-las. Como imaginar que, sem equipamentos e
sem escala, esses trabalhadores possam alimentar um país que tem cerca de 85%
de sua população em centros urbanos?
Essa visão de mundo também não é capaz de entender que o direito
de propriedade privada bem definido é tão importante para o crescimento rápido
e sustentável da economia quanto a taxa de investimento, a oferta de mão de
obra e a produtividade total dos fatores de produção. Dito de outro modo, as
condições legais são determinantes para o progresso material e social, na
medida em que afetam as decisões sobre quando e em que setor um país deve
investir, gerando com isso novos postos de trabalho e, por consequência,
promovendo a inclusão social.
Normas claras, respeito a regras, cumprimento de contratos e
tribunais rápidos, previsíveis e acessíveis a todos os cidadãos fazem enorme
diferença em matéria de investimento, produção e competição econômica.
Inversamente, normas jurídicas cujo alcance é comprometido por princípios vagos
e indeterminados, como "função social", seja do que for, inibem
investimentos, estimulam comportamentos oportunistas e alimentam movimentos
sociais - como é o caso do Movimento dos Sem-Terra - que vivem à custa da
violência predatória e da afronta à ordem jurídica. São esses os riscos