Dois pesos e duas medidas
O Estado de S.Paulo
20 Março 2015
Depois de tudo que o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto
(MTST) vem aprontando há tanto tempo, ninguém mais pode alegar surpresa com os
abusos de todo tipo a que ele se entrega e que cada vez mais têm menos a ver
com o problema da moradia, que em princípio pelo menos está em sua origem.
Mesmo assim, a sua capacidade de mistificação, de inverter posições para
confundir os incautos, como acaba de fazer nas manifestações que promoveu
quarta-feira passada em vários pontos do País, para ao mesmo tempo defender e
criticar o governo, não deixa de ser espantosa. Com a violência de sempre, é
claro. E com a complacência das autoridades.
O MTST bloqueou vias e perturbou a circulação em 23 pontos
importantes em 7 Estados para expor suas reivindicações e fazer seus protestos
- São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Bahia, Ceará e Paraíba.
Segundo o MTST, esses vários atos contaram com 20 mil militantes e
simpatizantes. O exagero pouco importa, porque mesmo com uma tropa bem menor,
como parece ter sido o caso, mas bem treinada e aguerrida, ele é capaz de fazer
grande estardalhaço e muito estrago.
Na capital paulista, palco principal de sua agitação, o
MTST caprichou. Grupos de manifestantes, se assim podem ser chamados os
baderneiros, bloquearam 12 vias importantes, entre as quais as Marginais do
Tietê e do Pinheiros, e as Avenidas Radial Leste, Aricanduva, Giovanni Gronchi
e Senador Teotônio Vilela, escolhidas a dedo para tumultuar o trânsito na
cidade. As cenas impressionantes dos bloqueios feitos com pneus em chamas,
transmitidas pela televisão, mostram que a pretensão do MTST de ter feito um
protesto ordeiro e pacífico está em claro contraste com a realidade.
E também com o tom como sempre agressivo e ameaçador do
coordenador do movimento, Guilherme Boulos. "Não vamos assistir calados ao
aumento da intolerância, do preconceito, do ódio social, à defesa de
intervenção militar e de golpismo", afirmou ele, referindo-se às grandes
manifestações de domingo, às quais o MTST quis se contrapor. E esquecendo-se,
de propósito, de que nelas os extremistas eram pequenos grupos isolados, ao
contrário das de quarta-feira.
Boulos e sua tropa põem a realidade de pernas para o ar,
atribuindo aos que elegem como inimigos os seus próprios defeitos e intenções.
Atropelam a lei com seus bloqueios de pneus em chamas, que impedem milhares de
pessoas, a grande maioria trabalhadores, de exercer o elementar direito de ir e
vir, defendem e promovem a luta de classes e, depois, apontam o dedo acusador
para quem não concorda com essas práticas ilegais e violentas.
Para disfarçar o caráter chapa branca da manifestação,
criticaram o ajuste fiscal e uma parte do governo - incendiando bonecos dos
ministros Joaquim Levy, da Fazenda, Gilberto Kassab, das Cidades, e Kátia
Abreu, da Agricultura - e apresentaram reivindicações como o lançamento da
terceira fase do programa Minha Casa, Minha Vida, para a construção de 3
milhões de moradias.
O MTST sabe que pode fazer tudo isso - mais do que sem
risco, com grande chance de que tudo dê certo -, porque tem um firme aliado no
governo. Tanto a presidente Dilma Rousseff como os ministros que têm falado em
seu nome, no caso das últimas manifestações, não se cansam de insistir, quando
se trata dos que criticam o governo, que tudo tem de ser feito dentro da lei e
da ordem, pacificamente, como estabelece a regra democrática.
Mas tudo muda quando vão para a rua os ditos movimentos
sociais, como o MST e o MTST. A esses não se aplica a regra democrática. Na
quarta-feira, quando as ruas de grandes cidades pegavam fogo, o gabinete do
ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Miguel Rossetto, se limitou
a informar que ele mantém agenda de diálogo permanente com aqueles movimentos.
Para completar, o MST e o MTST também contam com a reação
tímida de governadores, mesmo da oposição, que com medo de não parecerem
politicamente corretos os tratam com brandura.