Aperta-se o cerco a Dilma
O ESTADO DE S. PAULO
26 Junho 2015
A clara disposição de Luiz Inácio
Lula da Silva de se descolar de sua própria criatura aparentemente está sendo
interpretada como um sinal de liberação geral da campanha de isolamento
político de Dilma Rousseff e do consequente confinamento do governo aos estreitos
limites de sua incompetência para lidar com a crise em que ele próprio
mergulhou o País. A se confirmar essa tendência bem expressa no clima de
salve-se quem puder em que a chamada classe política se debate, os
desdobramentos da crise no plano político – no econômico é outra história – são
imprevisíveis, uma vez que Dilma tem ainda três anos e meio de mandato pela
frente, o que torna praticamente impossível empurrar a crise com a barriga até
que nova eleição presidencial acomode a situação.
A conjugação de duas iniciativas
cujos primeiros movimentos já se tornaram visíveis anuncia o quadro sombrio que
se desenha para o Planalto. De um lado, forças de esquerda reunidas numa
aliança de pequenos partidos ideológicos com a ala autoproclamada “progressista”
do PT articulam a formação de uma “frente ampla” de combate ao ajuste fiscal e
à política econômica “liberal” personificada na figura do ministro Joaquim
Levy. De outro lado, dentro do PMDB ganha corpo a disposição de devolver a
Dilma Rousseff a coordenação política por ela delegada, em desespero de causa,
ao vice-presidente da República, Michel Temer, o que implicaria, pelo menos
tacitamente, o rompimento da combalida aliança dos peemedebistas com o governo
petista.
De acordo com o jornal Valor, a oportunidade
– na verdade, o pretexto – para que Michel Temer devolva a articulação política
ao Planalto seria o fim da votação do ajuste fiscal no Congresso, que deverá
ocorrer provavelmente em agosto. Com isso, estaria cumprida a missão confiada
por Dilma ao vice-presidente da República. A essa intenção dos caciques
peemedebistas – estimulada tanto pelo fato de Lula estar procurando se descolar
de Dilma quanto pela crescente deterioração da credibilidade e da popularidade
da presidente – não estaria alheio Michel Temer, um político geralmente
cauteloso, cuja preocupação maior seria a de calibrar o avanço na direção do
descolamento de Dilma para não comprometer gravemente o projeto de ajuste
fiscal do qual o PMDB se tornou avalista. De resto, muitos peemedebistas – que
consideram pacífica a opção de lançar candidato próprio no pleito presidencial
de 2018 – entendem que o PMDB deve se apresentar já para as eleições municipais
do próximo ano livre da conotação eleitoralmente negativa de uma aliança com
Dilma e o PT.
De qualquer forma, a articulação da
tal “frente ampla” contra a política econômica “liberal” avança a cada dia,
tendo à frente, entre outros líderes das correntes de esquerda do PT, o
fundador do partido, ex-ministro de Lula e ex-governador do Rio Grande do Sul,
Tarso Genro, que seria um dos responsáveis pela redação do manifesto do grupo,
a ser divulgado no início de julho.
Especula-se que por detrás desse movimento
estaria o próprio Lula, embora essa possibilidade seja desmentida pelos
articuladores. Afinal, não é despropositado imaginar que o ex-presidente se
anime com a possibilidade de contar com o apoio de algo parecido com uma
aliança de forças “progressistas” para embalar sua candidatura à Presidência em
2018 empunhando a bandeira do combate ao “liberalismo”. Isso se até lá Dilma e
sua incompetência política e administrativa já não tiverem desmoralizado
definitivamente o “progressismo” esquerdista aos olhos de um eleitorado que, na
verdade, almeja condições dignas de vida representadas pela garantia de acesso
a bens sociais e de consumo num ambiente de plena liberdade.
Esses dois movimentos – o do PMDB e o
dos “progressistas” –, produtos de uma mesma circunstância, mas sem nenhuma
relação um com o outro, significariam o cerco do Palácio do Planalto pela
direita e pela esquerda, deixando pouco espaço para a ineficiente oposição
partidária, representada pelo PSDB.
O risco desse tipo de jogo partidário
é o de seus principais personagens se entredevorarem, deixando sozinho na cena
algum ousado aventureiro.