Mandatos extraordinários
Eliane Cantanhêde
Dizem que “a Justiça tarda, mas não falha”, mas aqui no Brasil a
Justiça tarda excessivamente e falha muito mais do que o minimamente razoável.
Logo, as operações de busca e apreensão em casas e escritórios de políticos e
do ex-presidente Fernando Collor de Mello podem ser um ótimo indício de que as
coisas estão mudando.
Pego de calças curtas, Collor sofreu a punição moral, quando
renunciou à Presidência, e a punição política, quando teve o mandato cassado
pelo Congresso. Ele, entretanto, jamais teve qualquer punição da Justiça. Após
anos e anos de “investigações”, o Supremo Tribunal Federal acabou por
absolvê-lo, o que, àquela altura, não mereceu mais do que pé de página da
imprensa.
Collor ressurgiu das cinzas como senador eleito por Alagoas em
2006 e ganhou um troféu com sabor especial: as graças do então presidente Lula,
que o abraçou efusivamente e previu que faria “um mandato excepcional”. Logo
ele, Lula, que liderou a campanha de difamação do adversário de 1989 e que,
depois da derrota, teve papel relevante para reduzir o governo Collor a pó.
Mais de 20 anos após o impeachment e quase 10 depois de ser
introduzido ao admirável mundo novo de Lula e do PT, o País tem agora a chance
de responder àquela perguntinha que nunca quis calar: Collor caiu só por
pressão política ou porque tinha culpa no cartório? A Lava Jato, a infiltração
de Collor na Petrobrás na era Lula e a descoberta de que ele embolsou nada mais
nada menos que R$ 20 milhões reduzem essa dúvida a perto de zero.
A Operação Politeia, deflagrada ontem pela Polícia Federal, abre
uma etapa decisiva da Lava Jato, porque chega finalmente aos políticos
investigados pelo Supremo e atinge Collor em cheio. Isso, porém, pode favorecer
Dilma Rousseff, num momento em que ela está sob ameaça de cair, mas boa parte
do Congresso também está enrolada e na mira das investigações da Justiça, do
Ministério Público e da Polícia Federal.
Destituir Collor foi fácil, porque ele já tinha uma imagem
negativa entre os bem informados e foi se deteriorando de vez com o tesoureiro
PC Farias (sempre os tesoureiros...), o Fiat Elba, as fontes nababescas da
mesma Casa da Dinda que, aliás, agora acolhe Ferrari, Lamborghini e Porsche. E
foi fácil também porque o Congresso estava forte, exalando legitimidade com o
ar puro das “diretas já”, da eleição de Tancredo Neves e da nova Constituição.
O ambiente em que se discute a destituição de Dilma Rousseff,
seja pela reprovação das contas de campanha no TSE, seja pela rejeição das
contas de governo no TCU, é completamente diferente. Se Dilma, Lula e o PT
estão no “volume morto”, e com ótimas razões, não se pode dizer que o Congresso
e mesmo o TCU estejam navegando em águas caribenhas. Até os presidentes da
Câmara e do Senado e o filho do presidente do TCU estão sendo investigados. Vai
que as próximas buscas e apreensões sejam nas casas oficiais de Suas
Excelências... Com que autoridade poderão comandar uma votação para depor
Dilma?
Aliás, os articuladores de uma frente suprapartidária para alçar
Michel Temer à Presidência, em caso de impeachment de Dilma, entraram em pânico
ao saber que Eduardo Cunha e Paulinho da Força andaram discutindo com o
ministro do Supremo Gilmar Mendes uma solução tripartite, na qual Temer, Renan
e o próprio Cunha assumiriam o poder. Isso desmoraliza qualquer articulação
pró-Temer. Ou é de uma burrice incomensurável ou só pode ser manobra
diversionista, coisa de dilmista de primeira hora para criar um “Xô,
impeachment!”.
Dilma é um desastre, Lula meteu os pés pelas mãos e o PT afundou
por conta própria. Logo, articular a ascensão de Temer numa frente de forças
políticas relevantes é constitucional e legítimo. Mas conspirar para um
triunvirato Temer, Renan e Cunha, com Paulinho da Força pontificando? Depois de
23 anos da queda de Collor e dos “caras pintadas”, era só o que nos
faltava.
Publicado no Estado de São Paulo.com