De
'marolinhas' e 'crisezinhas'
Eliane
Cantanhêde
22
Julho 2015
O
momento brasileiro não tem graça nenhuma e o vice-presidente Michel Temer,
sempre tão sóbrio, foi no mínimo infeliz ao imitar o ex-presidente Lula, sempre
tão boquirroto, e dizer que toda essa baita confusão não passa de uma
“crisezinha”. A ebulição política não é só uma “crisezinha”, tanto quanto o
tsunami econômico internacional de 2008 não foi só “marolinha”.
A
“marolinha” de Lula pegou os Estados Unidos, a Europa de jeito e o mundo
inteiro de jeito, virou o que virou e até hoje é pretexto, inclusive, para a
desordem econômica herdada do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff.
Até o presidente do Supremo Tribunal Federal caiu nessa, ou prefere cair nessa.
Quanto
à “crisezinha” de Temer: o rompimento declarado do deputado Eduardo Cunha com o
governo acentua o clima de guerra entre a Câmara e o Planalto e aumenta a
desconfiança mútua entre o PMDB de Temer e o PT de Dilma. Fosse só uma
“crisezinha”, o Planalto não estaria de prontidão, menos para atacar, mais para
se defender.
Nesse
tiroteio, com bala perdida para todos os lados, a Lava Jato segue seu rumo, não
propriamente a jato, mas no tempo certo, e cria uma cena inédita na vida
nacional: os atingidos não são pobres coitados de favelas e periferias, mas
ricos e poderosos encastelados nas grandes empreiteiras. Se o mensalão meteu os
corruptos na cadeia, o petrolão chega na outra ponta: a dos corruptores.
A
Justiça acaba de condenar três mandachuvas da Camargo Corrêa e a Polícia
Federal está indiciando o dono da Odebrecht, nada mais nada menos que a maior
empreiteira do País. Vocês lembram de algo parecido? E não vai parar por aí,
porque a fila é grande e a Lava Jato entrou na fase do “anda rápido que atrás
vem gente”. Depois dos empreiteiros, diretores da Petrobrás e doleiros, está
chegando a vez dos políticos.
Eduardo
Cunha pode espernear à vontade, mas ele não vai escapar tão fácil das
investigações – e não está sozinho. Além dos colegas do PMDB, inclusive o
presidente do Senado, Renan Calheiros, a Lava Jato atinge praticamente todo o
PP, aliados governistas do PT e de vários partidos e até gente da oposição.
Logo, vice Temer, é até de mau gosto falar em “crisezinha”.
Se
diplomatas irritam por falar muito e não dizer nada, políticos falam muito,
dizem cobras e lagartos dos adversários e muitas vezes morrem pela boca. Os
anais políticos são pródigos em expressões que ficam como carimbos indeléveis.
O “duela a quien duela” de Collor, o “esqueçam o que escrevi” de Fernando
Henrique (que ele nega), o “estupra, mas não mata”, de Paulo Maluf, o “relaxa e
goza” de Marta Suplicy, Lula chamando o filho Lulinha de “Ronaldinho” dos
negócios e, claro, Dilma enaltecendo a “mulher sapiens” e a “mandioca”. Ela,
aliás, bate todos os recordes.
Mas
com crise não se brinca, seja política, econômica, ética, ou, como agora, todas
juntas. Lula falou de “marolinha” em 2008 por pura esperteza, mas Temer tentou
fazer blague com a crise atual chamando-a de “crisezinha” por simples falta do
que dizer. Como ele poderia escapar? Nem poderia romper com Cunha, muito menos
poderia romper com governo. Então, improvisou uma gracinha, mas, no dia
seguinte, já admitiu que, “um dia”, pode ocorrer de o PMDB deixar mesmo o
governo.
Enquanto
Temer está em Nova York menosprezando a “crisezinha” política, aqui a recessão
se aprofunda, o desemprego já empurrou 345 mil famílias no limbo e na incerteza
neste semestre e a popularidade de Dilma vai ficando abaixo do volume morto.
Segundo a CNT-MDA de ontem, ela tem 7,7% de aprovação e 70,9% de rejeição.
Pior: mais de 60% aprovam o impeachment.
Publicado no Estadão.com