O rei do pixuleco?
Eliane Cantanhêde
05 Agosto 2015
Se o PT lava as mãos e entrega José Dirceu à própria
sorte, o que fará quando, e se, o juiz Sérgio Moro e a Operação Lava Jato
chegarem até o ex-presidente Lula? Ok, Lula é Lula, mas Dirceu também é Dirceu.
Ou será que, de repente, deixou de ser e virou o rei do “pixuleco”?
Lula é o grande líder e o maior símbolo da história do
PT, mas José Dirceu foi o grande operador e o maior comandante das tropas
petistas nesses 35 anos. Um foi o mito das lutas sindicais, o outro foi o ídolo
das lutas estudantis. Um agia à luz do dia, em cima de palanques, o outro agiu
boa parte do tempo na penumbra, no anonimato. Os dois são indissociáveis.
Dos tempos heroicos do ABC paulista, megafone em punho,
Lula é um sedutor e parecia irremediavelmente sedutor até o petrolão o atingir
em cheio e o governo Dilma Rousseff passar por cima. Primeiro, encantou as
mulheres, depois os metalúrgicos, em seguida trabalhadores de todos os setores,
mais adiante a intelectualidade e a igreja, e finalmente a opinião pública
brasileira.
Concorreu cinco vezes à Presidência da República, perdeu
três, ganhou duas, ressurgiu das cinzas do mensalão, desceu a rampa do Planalto
como um dos líderes mais populares de todos os tempos e levou para casa um
troféu: a eleição da inacreditável Dilma, que só foi candidata – e só chegou
aonde chegou – pela única e exclusiva razão de que Lula quis.
Logo, o PT abandonar Lula, ou lavar as mãos, parece o fim
do mundo, certo? Mais ou menos, porque, ao renegar José Dirceu, o partido sinaliza
que já não tem discurso nem energia para defender quem quer que seja – nem para
se defender – da profusão de delações e descobertas escabrosas. Digamos, pois,
que o PT está a caminho do fim do mundo, depois que sua Executiva Nacional
decidiu que, sente muito, não tem como defender o indefensável e não vai mais
se associar a Dirceu. Ele virou coisa do passado, além de caso de polícia.
É uma pena, porque Dirceu tem uma vida digna de filme,
que começa nos congressos da UNE contra a ditadura, passa por treinamento em
Cuba, inclui uma plástica facial, uma vida clandestina no Sul e uma
personalidade tão complexa ao ponto de viver durante anos com uma mulher que
amava sem revelar a ela sequer o seu nome verdadeiro.
Politicamente, Dirceu é do PT desde a gestação, foi seu
presidente de 1995 a 2002, ameaçou se tornar a eminência parda do primeiro
mandato de Lula e foi responsável por dois movimentos decisivos tanto para a
ascensão e glória quanto para a debacle e vergonha do partido. Foi ele quem deu
a guinada “pragmática” para arrecadar dinheiro e levar Lula à vitória. E foi
ele o gênio do mal que articulou o mensalão, possivelmente idealizou o petrolão
e usufruiu dele com bem mais do que um Fiat Elba. E não é mais primário.
Segundo o então ministro Joaquim Barbosa, fazendo eco à
Procuradoria-Geral da República, Dirceu foi o “chefe da quadrilha” do mensalão.
Segundo o juiz Sérgio Moro, ele demonstra “profissionalismo na prática de
crimes”. E segundo o procurador Carlos Fernando Lima, ele “instituiu o esquema
do petrolão e se beneficiou dele”. Conclusão: cartel de empreiteiras existe
desde sempre, mas o petrolão inovou ao inverter o organograma. Em vez de os
políticos só se aproveitarem do cartel, eles passaram a controlar o cartel a
favor de esquemas de poder, de partidos e, como Dirceu, deles próprios.
Dirceu não está sozinho. Ele lidera uma fila de petistas
em que o também ex-presidente José Genoino (caso à parte), dois ex-tesoureiros
e figuras como André Vargas jogaram fora as glórias do passado para enfrentar o
presente atrás das grades. A fila anda, mas não se sabe ainda onde vai parar. É
isso que deixa o PT e Lula muito nervosos.
Tombo. Na noite de segunda-feira, o ex-presidente José
Sarney levou um tombo em casa. Octogenário, ele está de cama, com a cabeça
enfaixada, bem neste momento que exige líderes maduros e serenos. Isso Sarney
é.
Publicado no Estadão de 05.08.15