Limites da boçalidade*
Uma ação assim seria evidente abuso, a atentar contra a isenção
do Estado e a liberdade política dos demais cidadãos. Mas foi o que ocorreu na
sexta-feira, dia 18 de março, quando o Ministério das Relações Exteriores (MRE)
foi usado para enviar telegramas alertando para o risco de um golpe de Estado
no País.
No dia em que estavam previstas manifestações contrárias ao
impeachment de Dilma, o diplomata Milton Rondó Filho – que é ligado a Miguel
Rossetto, ministro do Trabalho, e já assessorou o MST – quis dar sua
contribuição à causa petista e enviou, por meio da Secretaria de Estado de
Relações Exteriores do Itamaraty (Sere), mensagens de teor político-partidário
a todas as embaixadas e representações do Brasil no exterior.
Expedida por volta do meio-dia, a primeira mensagem solicitava a
designação de um servidor – de preferência, um diplomata – para se
responsabilizar por “apoiar adequadamente” o diálogo entre o Itamaraty, a
sociedade civil brasileira e organizações locais.
A segunda mensagem, enviada no meio da tarde daquele dia,
retransmitia uma nota da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais
(Abong), com frases do seguinte calibre: “É momento de resistência democrática!
Não ao Golpe! Nossa luta continua!”.
Horas depois de enviada a segunda mensagem, a Secretaria-Geral
do Itamaraty expediu um comunicado pedindo para “desconsiderar e tornar sem
efeito as circulares telegráficas 100.752 e 100.755”. Mesmo assim, uma terceira
mensagem de teor político-partidário foi enviada. O telegrama 100.757
reproduzia a Carta aos Movimentos Sociais da América Latina, denunciando um
“processo reacionário que está em curso no País contra o Estado Democrático de
Direito”. Posteriormente, o Itamaraty informou que Rondó Filho foi “admoestado”
e está impedido de emitir novas circulares.
O episódio é grave. Além do evidente uso da máquina do Estado
para fins político-partidários, os mentores da aloprada ação – seria bastante
estranho achar que Rondó Filho atuou sozinho, sem nenhum respaldo do Palácio do
Planalto ou do famoso assessor da Presidência da República para assuntos
internacionais – rebaixam o Brasil no plano internacional, como se o País não
fosse suficientemente capaz de resolver seus assuntos internos. A ironia é que
esse tipo de atuação parta de quem, diante de graves violações de direitos
humanos em outros países – Venezuela, por exemplo –, sempre diga que se deva
deixar cada nação resolver sozinha seus problemas internos.
*Publicado no jornal Estadão em 25/03/2016