Voto de cabresto*
A presidente Dilma Rousseff conseguiu se superar. Não
bastasse ter feito a economia retroceder 25 anos e trabalhar com afinco para
que o recuo da atividade produtiva se equipare ao da época da Grande Depressão,
nos anos 30, ela agora faz de tudo para que também a política regrida aos
tempos dos “coronéis”.
Muito antigamente, ainda na
República Velha, os “coronéis”, como eram chamados os oligarcas locais, tinham
várias maneiras de obrigar os eleitores a votarem em seus candidatos. Não era
incomum que o chefe entregasse ao caboclo metade de uma cédula de dinheiro – e
o infeliz só receberia a outra metade se votasse no nome indicado pelo
“coronel”, sob a devida supervisão de seus peões.
Outro método consistia em
dar ao eleitor apenas um pé de um par de botinas. Assim como no caso do
dinheiro, o pobre ganhava o outro pé se o candidato do patrão vencesse a
eleição.
Pois o que Dilma está
fazendo no Congresso, em seu desespero para salvar-se do impeachment, em nada
difere, em essência, dessa relação de mandonismo do Brasil arcaico. É a isso o
que a alardeada modernidade política prometida pelo PT reduziu o exercício da
Presidência da República.
Sem contar com o apoio do
PMDB, Dilma e seu padrinho, o capo Luiz Inácio Lula da Silva, partiram para a
negociação de votos no varejo: andam prometendo a parlamentares de diversos
partidos, muitos dos quais nanicos sem nenhuma representatividade, preciosos
cargos nos diversos escalões da administração, além de apetitosas verbas. Nunca
se viu nada parecido com isso – até mesmo o notório deputado Paulo Maluf, pasme
o leitor, sentiu-se à vontade para se dizer indignado com o feirão de Dilma.
No entanto, bem ao estilo
dos “coronéis” que não confiam na fidelidade de seus empregados na hora do
voto, Dilma mandou avisar que não entregará nenhum cargo antes da votação do
processo de impeachment na Câmara. Ou seja: para fazer sua parte no acordo, a
presidente quer ver primeiro em quem o parlamentar vai votar. Teme que aconteça
o mesmo que houve em 1992 com o então presidente Fernando Collor, que acabou
sendo traído em massa quando o impeachment foi ao plenário.
É o voto de cabresto. Dilma
segue assim a lógica de um governo já inteiramente entregue às mais retrógradas
práticas políticas e que se empenha em avacalhar de vez o Congresso. A presidente
acha que está lidando com lobos vorazes e raposas felpudas e que precisa se
cercar de garantias. Com apoio rarefeito dentro do Congresso, a petista
lançou-se de corpo e alma à negociação com a ralé parlamentar, disposta a fazer
qualquer negócio. Não é improvável, assim, que muitos desses deputados, diante
da possibilidade de que o impeachment se torne irresistível e tenha, como já
tem, amplo apoio da opinião pública, acabem preferindo ficar só com um pé do
prometido par de botinas.
Só que todos se merecem e a
desconfiança é recíproca. Os deputados que o governo está tentando cooptar
também acham que, uma vez vitoriosa, Dilma pode deixar de entregar o que está
oferecendo. Dizem que o governo petista não costuma honrar seus compromissos
políticos. O fato de até a raspa do tacho do Congresso suspeitar da capacidade
de Dilma de cumprir o que promete diz muito sobre o que é o governo do PT.
A propósito de se manter no
poder, Dilma e Lula nivelaram a Presidência ao mais baixo patamar da atividade
dita política. Não existe mais política, apenas negócios. Troca-se espaço
dentro do governo não em razão de competências e habilidades, de afinidades
partidárias ou programáticas, e sim, apenas e tão somente, por um voto contra o
impeachment.
*Editorial publicado no Estadão.com em 07/042016