Crime é o que
não falta
A presidente Dilma Rousseff repete
diariamente que não há crime que se lhe possa imputar, razão pela qual o
processo de impeachment seria um “golpe”. A petista apela assim para uma das
mais manjadas artimanhas da política – conte-se uma mentira mil vezes, de
preferência com estudada indignação, até que soe como verdade. A cada dia que
passa, porém, essa estratégia de Dilma é desmoralizada por fatos gravíssimos,
que desmentem de modo categórico a alegada inocência da presidente. Crime,
pois, é o que não falta.
O Brasil ficou sabendo há pouco, por
meio da delação premiada de diretores da Andrade Gutierrez, que essa
empreiteira fez doações para as campanhas eleitorais de Dilma em 2010 e 2014
usando dinheiro oriundo de superfaturamento de obras públicas. As doações,
registradas legalmente na Justiça Eleitoral, seriam assim o pagamento da
propina devida ao PT pela realização dos negócios. A Justiça Eleitoral,
portanto, foi usada como “lavanderia” do dinheiro desviado dos cofres públicos
para abastecer as burras do PT e de seus associados.
Como sempre, a primeira reação do
governo e dos petistas foi tentar confundir alhos e bugalhos. A tigrada
argumentou que a Andrade Gutierrez, a exemplo das demais empreiteiras
envolvidas no escândalo, também fez doações eleitorais para candidatos e
partidos de oposição, em especial o PSDB. Logo, a ênfase dada apenas às doações
ao PT seria parte do tal “golpe” urdido por “setores da Justiça” e pela “mídia
conservadora”.
É um argumento que ofende a
inteligência alheia, mas o PT rebaixou tanto o debate político que mesmo aquilo
que é óbvio precisa ser dito e explicado. A defesa lulopetista não se sustenta
pela simples razão de que nenhum partido de oposição controla as estatais e,
portanto, evidentemente não têm como cobrar propina das empreiteiras em troca
de contratos.
Para Dilma, porém, o conteúdo da
delação não é o mais grave. O mais grave, em sua visão, é que a delação tenha
chegado ao conhecimento da imprensa e, portanto, do público. A presidente
criticou o que chamou de “vazamento premeditado” do depoimento, cujo objetivo
seria “criar ambiente propício ao golpe” – como se o cumprimento da lei, que
manda punir candidatos financiados com dinheiro roubado dos contribuintes,
fosse uma ruptura da legalidade. Eis a presidente da República que temos.
Mas Dilma e os lulopetistas em geral já
vêm oferecendo provas, há muito tempo, de que não nutrem pelas leis senão um
desprezo típico de sua mentalidade autoritária. Prova disso foi a nomeação de
Luiz Inácio Lula da Silva para a Casa Civil, decisão que claramente visava a
conceder foro privilegiado ao chefão petista, que anda encalacrado nos
tribunais.
Era tão evidente que se tratava de uma
manobra para obstruir a Justiça que a nomeação foi suspensa liminarmente por
ordem do Supremo Tribunal Federal. E na quinta-feira passada o procurador-geral
da República, Rodrigo Janot, emitiu parecer segundo o qual a nomeação de Lula
tinha por objetivo apenas “tumultuar” as investigações da Lava Jato.
Para Janot, há vários indícios desse
“desvio de finalidade”, que levam à conclusão de que o ato administrativo de
Dilma, ao nomear Lula, tinha natureza “aparentemente legítima”, mas “ocultava
propósito e efeitos contrários ao ordenamento jurídico”, razão pela qual deve
ser anulado. Nada disso, é claro, impede que Lula siga atuando na prática como
delegado do governo Dilma, negociando cargos em troca de votos contra o
impeachment. Afinal, é preciso salvar o poste e o projeto de poder do PT, seja
lá como for.
Desmancha-se assim, de modo
melancólico, a aura de retidão que Dilma criou para si em meio ao lamaçal em
que se afunda o Palácio do Planalto. Há elementos mais que suficientes para que
a presidente se veja obrigada a prestar contas à Justiça. Ante tantas
evidências de delitos – o financiamento corrupto de sua campanha eleitoral, as
“pedaladas fiscais” e a obstrução da Justiça para proteger Lula, sem falar no
uso escancarado do Palácio do Planalto para fins político-partidários –, Dilma
terá de fazer muito mais do que simplesmente proclamar sua honestidade.
*Publicado no Estado.com em 11/04/2016