Só faltava essa*
Seria considerada de péssimo gosto uma chanchada cujo
roteiro fosse inspirado nos constrangedores acontecimentos de ontem em
Brasília. Ao tentar anular a sessão da Câmara que no mês passado aprovou a
admissibilidade do processo de impeachment, o deputado Waldir Maranhão (PP-MA),
presidente interino daquela Casa, esforçou-se para rebaixar o Brasil à
categoria de república bananeira.
Mas Waldir Maranhão é apenas um satélite. Rodopiava em
torno de Eduardo Cunha. Às vésperas da desgraça política deste, foi atraído por
Dilma Rousseff e também passou a orbitar em torno do governador Flávio Dino.
Pode-se, portanto, dizer que a mão que assinou aquele infame ato certamente foi
conduzida pelos interessados em tumultuar o processo de impeachment,
transformando o Congresso Nacional numa companhia burlesca, tirando-lhe todo e
qualquer título de credibilidade justamente no momento em que o Poder
Legislativo está na iminência de afastar a presidente.
A decisão de Maranhão, conhecido entre seus pares por sua
insignificância política e intelectual, foi orientada diretamente pelo
governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), um dos últimos aliados firmes de
Dilma, e pelo advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo. Ninguém há de
supor que ao deputado Waldir Maranhão tenha ocorrido, espontaneamente, tamanha
ideia de jerico.
Coisa assim, geralmente, vem de mentes superiores, mas
apatetadas pela visão do cataclismo que se aproxima. O presidente em exercício
da Câmara forneceu a mão que acendeu o estopim. Os construtores do artefato
foram outros – todos eles carentes de decoro e de respeito pelas coisas e
gentes deste país.
Obviamente, a principal interessada na presepada de ontem
é Dilma Rousseff. Esmagada no Congresso e nas ruas por uma maioria acachapante
a favor de seu impeachment, restou à presidente apostar na implosão das
instituições.
Assim, na sexta-feira, Waldir Maranhão conversou com José Eduardo
Cardozo a respeito do recurso que a Advocacia-Geral da União (AGU) havia
protocolado contra a sessão que aprovou a continuidade do processo de
impeachment na Câmara. Os dois tornaram a conversar no domingo, depois que
Maranhão se encontrou com Flávio Dino, que o teria orientado sobre como
proceder para atender aos interesses da presidente. Em troca, o deputado
recebeu do governador a promessa de sair candidato ao Senado em 2018 e talvez
assumir a Secretaria de Ciência e Tecnologia no Maranhão.
Ontem, sem consultar seus pares nem a assessoria jurídica
da Câmara, Maranhão fez tudo o que lhe foi ditado: aceitou, ponto por ponto, a
esdrúxula tese de Cardozo, que havia pedido a anulação da sessão do impeachment
sob a alegação de que não foi dado à presidente o amplo direito à defesa e de
que os parlamentares não puderam votar de acordo com sua consciência, e sim
segundo a determinação das lideranças partidárias.
É óbvio que nenhum desses argumentos tem validade
jurídica ou regimental, mas já está claro que Dilma e seus escassos apoiadores
não estão interessados em se comportar conforme a lei. Isso seria demasiado
para eles. Seu único objetivo é rebaixar a democracia brasileira aos padrões
rasteiros do lulopetismo, levando de roldão, a um só tempo, a Presidência da
República, a Câmara, o Senado e o Supremo Tribunal Federal.
Felizmente, a reação a essa manobra foi de imediato
repúdio, por seu evidente desrespeito às instituições. Dilma já teve a chance
de fazer o que era melhor para o País – renunciar –, mas escolheu o caminho da
infâmia, ampliando a tribulação dos brasileiros, às voltas com uma crise
produzida por seu desastroso governo. A petista agora passou de todos os
limites – pois não se pode dissociar o nefasto comportamento de seus sequazes
do exemplo, e das ordens, que vem de cima –, assegurando de vez seu lugar na história
como a presidente mais irresponsável que o País já teve.
Esse episódio – que seria de comédia pastelão, não fosse
interferir no futuro dos brasileiros desta e das próximas gerações – foi
felizmente neutralizado pela decisão do presidente do Senado, Renan Calheiros,
que não acolheu o ofício de Waldir Maranhão, dando por nulas as sessões da
Câmara que haviam tratado do impeachment de Dilma Rousseff. Nisso, agiu
corretamente o senador, repudiando, como disse, essa “brincadeira com a
democracia”.
*Publicado no Estadão.com em 10/05/2016