A falácia da
legitimidade*
O principal
argumento de Dilma Rousseff e do PT para repudiar o “golpe” que afastou
provisoriamente do cargo a chefe de governo mais impopular da história é a
legitimidade de um mandato conquistado com o voto de 54 milhões de brasileiros.
Legitimidade que, para os petistas, não se estende ao vice-presidente eleito na
mesma chapa, com o mesmo número de votos.
Legitimidade que os petistas negam ao
Supremo Tribunal Federal para estabelecer o rito a ser seguido pelo processo de
impeachment no Legislativo. Legitimidade que o PT nega igualmente ao Congresso
Nacional para deliberar, por ampla maioria de votos, sobre a admissibilidade do
processo de impeachment e, em consequência, transferir provisoriamente ao
sucessor constitucional de Dilma o comando do governo.
Legítimo, no
Brasil, só o PT. E isso explica o fato de os petistas terem anunciado que não
reconhecerão a investidura de Michel Temer na Presidência interina, farão
oposição radical a seu governo “ilegítimo” e recusar-se-ão até mesmo a
examinar, no Congresso, toda e qualquer medida proposta pelo “usurpador”.
A disposição de
radicalizar ao extremo a oposição ao governo cuja legitimidade não reconhecem
foi anunciada por parlamentares petistas logo após a decisão do Senado de dar
sequência ao processo de impeachment. Enquanto os senadores debatiam a questão,
na madrugada de quinta-feira, deputados petistas e seus aliados do PC do B se
reuniam na Câmara para discutir a melhor maneira de reagir à derrota
considerada inevitável. O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) foi um dos primeiros
a anunciar o lançamento do movimento intitulado “Temer jamais será presidente,
será sempre golpista” ou, opcionalmente, apenas “Temer, o golpista”:
“Nenhum
documento assinado por Michel Temer tem qualquer valor, são todos nulos”. E por
isso, explicou, a bancada petista não levará em consideração nenhuma proposta
enviada pelo novo governo.
A petista gaúcha
Maria do Rosário negou legitimidade às decisões do Congresso sobre o
impeachment: “Nem sempre a maioria tem razão. A maioria desse Parlamento é
golpista”. Ou seja, quem legitima a atuação de senadores e deputados não é o
voto popular: é o discernimento dos petistas. Linha auxiliar do lulopetismo, a
deputada Luciana Santos (PC do B-PE) compartilha do peculiar entendimento do PT
a respeito de quem tem ou não tem direito de falar em nome do povo: “Vamos ter
dois presidentes, uma eleita com 54 milhões de votos e outro, ilegítimo, sem
voto nenhum”. Raciocínio – ou absoluta falta dele – que escamoteia o fato de
que, em eleição para chefe de Executivo, o voto é dado não apenas a quem
encabeça a chapa, mas também a seu parceiro.
Essas
manifestações de indisfarçável rancor de petistas e aliados diante da
adversidade dão a exata medida da mentalidade autoritária, antidemocrática, do
grupo político que se julga dono da verdade e durante mais de 13 anos manipulou
a opinião pública, particularmente os segmentos menos informados da população.
Apresentam-se como monopolistas da defesa do bem comum, protetores dos fracos e
oprimidos contra a sanha segregadora das elites impiedosas. Derrotados,
fazem-se de vítimas e não têm a dignidade de assumir erros, cuja
responsabilidade transferem a inimigos – alguns imaginários –, como fez Dilma
Rousseff em todas as oportunidades que teve desde o início da tramitação do
processo do impeachment.
Diante disso,
pode-se prever que o lulopetismo não terá o menor escrúpulo de sabotar o
governo Temer em tudo que estiver a seu alcance, agora mais restrito. No
Congresso, está praticamente isolado, sem votos suficientes para se opor à
maioria parlamentar que está sendo construída em torno do novo governo. Nas
ruas, certamente continuará contando com a militância das entidades e
movimentos como CUT, UNE, MTST, que gravitam em seu entorno e dos cofres
públicos que certamente lhes serão fechados. O que indica que o País
provavelmente terá que se habituar às “manifestações legítimas” de grupelhos de
vândalos que infernizarão a vida dos brasileiros nas ruas e estradas.
*Publicado no Estadao.com, em 14/05/2016