O mau uso das redes sociais*
“Desenvolvemos uma
cultura em que o debate público é feito pela desqualificação do outro. Se você
não pensa como eu, você só pode ser um cretino completo a serviço de alguma
causa escusa. Está na hora de um debate substantivo e não de adjetivos.” Essa
aguda e pertinente avaliação crítica da realidade política brasileira é de
autoria do ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), e
foi feita em Londres na semana passada, em entrevista à Folha de S.Paulo,
durante o “Brazil Forum UK 2016”, evento destinado a discutir a crise
brasileira. O triste diagnóstico do ministro Barroso é respaldado por pesquisa
inédita do Ibope divulgada no Estado pelo colunista José Roberto
Toledo e contém revelações preocupantes para o futuro político do País neste
momento em que a gravidade da crise, especialmente para a população mais pobre,
deveria unir os brasileiros na busca do entendimento indispensável à superação
dos problemas políticos, econômicos, sociais e morais que a todos afetam.
De acordo com a pesquisa, nos últimos 12 meses, “pela
primeira vez, a maioria absoluta dos eleitores brasileiros (51%) recebeu
informações sobre política pelo Facebook, Twitter ou pelo WhatsApp”. E
constata: “O tipo de propaganda que funciona nessas redes é a negativa: contra
alguém ou contra uma ideia, muito mais do que a favor de um candidato”.
A propaganda política negativa elevada à condição de
estratégia eleitoral dominante é uma das notáveis realizações de Lula.
Resultou, a partir da fundação do PT, da transposição da estratégia de luta
sindical dos metalúrgicos contra os patrões para o âmbito geral da sociedade. É
a política do “nós” contra “eles”, que se faz por meio da desqualificação
sistemática e belicosa de qualquer ideia ou ação que contrarie o populismo
lulopetista.
Essa imagem de ferrabrás defensor dos fracos e oprimidos
que Lula sempre cultivou – é curioso observar – acabou dando-lhe foros de maior
líder popular brasileiro desde Getúlio Vargas, insuficiente, porém, para
congregar em torno de si uma maioria confiante em sua capacidade de governar o
País. Por esse motivo, foi derrotado nas urnas em 1989, 1994 e 1998.
Foi a percepção desse fenômeno que em 2002 levou os
marqueteiros do PT a promover uma guinada de 180 graus na imagem de Lula e
transformá-lo no confiável “Lulinha paz e amor”, que passou a distribuir
sorrisos e beijos e concentrar-se nas propostas objetivas, sensatas e
“liberais” da Carta aos Brasileiros, renegando, na caradura, tudo o que
até então afirmava acreditar em matéria de gestão econômica e financeira.
Elegeu-se presidente e com o tempo voltou a ser como sempre fora, agora
politicamente fortalecido, por obra de mensalões e petrolões, com o apoio dos
“picaretas” do Congresso.
O resultado demorou algum tempo para aparecer, mas hoje
está à vista de todos: Lula, Dilma e o PT se desqualificaram completamente, não
por força do discurso de seus adversários políticos, mas pela dolorosa
evidência de seus próprios erros.
Agora, apeados do poder e justificadamente preocupados
com sua sobrevivência política e com os longos braços da Lava Jato, os
populistas responsáveis pelo maior estelionato eleitoral da história brasileira
apelam em desespero para o velho recurso de partir para o ataque. O PT e seus
apoiadores tentam desqualificar os atuais adversários, especialmente os que
compõem o governo interino – muitos deles seus antigos aliados no governo
afastado e em falcatruas –, no desvario da política do quanto pior, melhor.
Definitivamente, não é de política negativa que o Brasil
precisa. O País precisa, e com extrema urgência, do saneamento das contas
públicas, de recuperação da confiança do mercado, de investimentos em programas
estruturais e da retomada da produção, para que, antes de mais nada, os mais de
11 milhões de desempregados recuperem o direito de viver dignamente, integrados
na atividade econômica sem depender do paternalismo estatal.
Essa é a ideia que deveria estar sendo discutida nas
mídias sociais, uma conquista tecnológica que deveria estar a serviço do
entendimento entre as pessoas e não de sua destruição mútua. Essa coisa de
“nós” contra “eles” acabou com o PT. Não pode acabar também com o Brasil.
*Publicado no Estadão.com em 21/06/2016