Dez anos depois...*
Eliane Cantanhêde
Lula foi um mito dentro e fora do Brasil, mas isso
começou a ruir quando o discurso ético dele e do seu PT
foi confrontado com o
mensalão, em 2006
O cerco se fechou sobre Dilma Rousseff, depois sobre
Eduardo Cunha e agora se fecha sobre Luiz Inácio Lula da Silva, num redemoinho
que traga o PT e deixa o tabuleiro político de 2018 boiando. As peças estão
soltas, ao sabor das ondas, da Lava Jato e do pavor do que ainda pode vir por
aí.
Lula foi um mito dentro e fora do Brasil, mas isso
começou a ruir quando o discurso ético dele e do seu PT foi confrontado com o
mensalão, em 2006: Compra de votos? O PT não é diferente? Naquele momento, era
quase uma heresia admitir o que hoje parece óbvio: seria muito difícil tudo
aquilo ser arquitetado e operacionalizado dentro do Planalto sem que o
presidente mandasse ou, no mínimo, soubesse. Até porque os grandes
beneficiários do mensalão eram o governo e o próprio Lula, apesar de ele jurar
que não viu, não ouviu, não sabia...
Dez anos depois de um aparelhamento desenfreado do Estado
e de várias prisões, o MP mostra por palavras, gestos e organogramas que José
Dirceu saiu do governo, mas o mensalão ficou e evoluiu para o petrolão, maior
esquema de corrupção da história brasileira, capaz de jogar no chão a
Petrobrás. Logo, concluíram, Dirceu não era o “chefe da quadrilha”, como
disseram na época o procurador-geral da República e ministros do Supremo. Era
só o “braço-direito” do “comandante máximo” da corrupção: Lula.
Independente da desolação do “nós”, da comemoração do
“eles” e das críticas ao tom e à forma dos procuradores, essa história vai
avançar pelo caminho jurídico, causando sérias consequências políticas. Lula,
seus processos, sua eventual candidatura em 2018 e o destino do PT estão nas
mãos do juiz Sérgio Moro, que pode ou não acatar a denúncia do MP, enquanto o
PT continua sendo chacoalhado por más notícias.
Moro condenou José Carlos Bumlai, amigo de Lula, a 9 anos
e dez meses de prisão, e a Polícia Federal indiciou o governador Fernando
Pimentel, de Minas, que é o único troféu petista no “Triângulo das Bermudas” da
política, já que o partido não tem São Paulo nem Rio. E, aliás, corre o risco
de perder a capital de São Paulo, onde Fernando Haddad patina no quarto lugar,
e é traço no Rio (com Jandira Feghali, do PC do B) e em Belo Horizonte, com
candidato próprio. Lula afunda, o PT afunda.
Os seguidores de Lula repetem o que ele disse chorando:
ele não é ladrão, não tem ambição, não é dono de triplex nem de sítio e está
sendo vítima da direita enfurecida. O “golpe”, dizem, começou com o impeachment
de Dilma para acabar com a prisão de Lula. Mas, longe dos microfones, há quem
acrescente: o erro de Lula foi nunca ter comprado nada no nome dele e ter se
acostumado a viver de favores de amigos, correligionários e, enfim, de
empreiteiros que saqueavam a Petrobrás. Como se fosse um vício inocente: viver
à custa dos outros. “Lula é assim”, perdoam.
Do outro lado, há entre os inimigos de Lula os que bradam
pela eliminação do ex-presidente e do PT da face da terra, como se não tivessem
direito a defesa nem tivessem dado importante contribuição, em diferentes
momentos da história, para a construção de um país melhor. As redes sociais
estão contaminadas pela irracionalidade, pela deturpação dos fatos e por
linchamentos nada democráticos. Mas querer que Lula seja julgado e pague, se
tiver culpa no cartório, não é uma questão de ódio, é de justiça.
A bem da verdade. Lula
disse corretamente que em 2002 Fernando Henrique preferia sua vitória à do
amigo tucano José Serra, mas concluiu maliciosamente: “A tese dele (FH) era que
o operário (Lula) vai ganhar, vai ser um fracasso absoluto e vão gritar:
‘volta, volta’”. Foi uma injustiça e uma inverdade histórica. O presidente
sociólogo apenas concluiu que havia chegado a hora da esquerda e do grande
líder de massas - como milhões de pessoas que não eram e nunca seriam do PT.
*Publicado no Portal do Jornal Estado de São Paulo em
18/09/2016