Partidos e Fundo Partidário*
O voto deve ser livre e as legendas, incumbidas de arcar
com os custos das campanhas
Almir Pazzianotto Pinto
“O ideal
democrático supõe cidadãos atentos à evolução da coisa pública, informados
dos acontecimentos políticos, ao corrente dos principais problemas, capazes de
escolher entre as diversas alternativas apresentadas pela forças políticas e
fortemente interessados em formas diretas ou indiretas de participação”. A
frase está no verbete Partidos do Dicionário de Política de
Bobbio, Matteucci e Pasquino.
Entre as formas de participação, a melhor talvez seja o
partido, definido como associação formal de cidadãos investidos de direitos
políticos, dotada de ideologia e de objetivos comuns, para conquistar, exercer
e se manter no poder.
A abdicação de dom Pedro I, em 7/4/1831, “foi o ponto de
partida para a vida partidária brasileira; antes só existiam indivíduos de
várias opiniões, e opiniões várias, gravitando em torno do ânimo inconstante do
monarca”, escreve João Camillo de Oliveira Torres no clássico A Democracia
Coroada. Para o historiador, as atividades políticas, durante a Regência e o
Segundo Império, desenvolveram-se em torno de dois eixos: o Partido Conservador
e o Partido Liberal. Em breve e imperfeita síntese, os conservadores aceitavam
a Constituição de 1824, “oferecida e jurada por Sua Majestade o Imperador”. Os
liberais, por sua vez, desejavam Constituição isenta da mancha autoritária da
outorga, que as províncias fossem livres, não houvesse vitaliciedade no Senado
e se reduzissem as prerrogativas do Poder Moderador.
A História política do Brasil é marcada por instabilidade
e sucessivos movimentos e intervenções militares. O primeiro se deu em
15/11/1889, comandado pelo marechal Deodoro da Fonseca para decretar o fim da
monarquia e o exílio de dom Pedro II. O último, em 31/3/1964.
A Primeira República perdurou de 1889 a 1930. Dois
partidos se revezaram no poder por quase 40 anos: o Partido Republicano
Paulista (PRP), fundado em julho de 1873 na cidade de Itu por fazendeiros,
médicos, advogados, jornalistas e comerciantes; e o Partido Republicano Mineiro
(PRM), organizado em 1888 e reorganizado em 1897. Foram dissolvidos por Getúlio
Vargas mediante o Decreto-Lei n.º 37, de 2/12/1937, após a instauração do
Estado Novo, sob o fundamento da “multiplicidade de arregimentações partidárias,
com objetivos meramente eleitorais, ao invés de atuar como fator de
esclarecimento e disciplina da opinião”.
A derrota do nazi-fascismo na 2.ª Guerra Mundial
(1939-1945) determinou o fim da ditadura do Estado Novo. Entre abril e julho de
1945, ante a perspectiva de redemocratização, organizam-se três partidos: a
União Democrática Nacional (UDN), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o
Partido Social-Democrático (PSD). O PSD, para representar a elite rural e o
empresariado conservador; o PTB, vinculado ao Ministério do Trabalho, como
defensor do trabalhismo corporificado na Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT); e a UDN, para ser porta-voz da classe média urbana e de intelectuais
adversários da ditadura. Fundado em 1922, o Partido Comunista permaneceu parte
da existência na clandestinidade. Reestruturado em setembro de 1945, teve o
registro cancelado em maio de 1947 pelo Tribunal Superior Eleitoral e cassados
os representantes eleitos para a Câmara dos Deputados e o Senado.
O movimento militar de março de 1964 procurou
legitimar-se com a edição do Ato Institucional n.º 1 (AI-1), baixado pelo
Comando Supremo da Revolução em 9 de abril. Em 15/7/1965 foi aprovada a Lei n.º
4.740, sobre a organização de partidos políticos. Pouco depois, todavia, em
22/10, o artigo 18 do AI-2 dissolveu os partidos existentes. Foram extintos o
PSD, a UDN, o PTB e nove outras legendas de menor expressão. Logo em seguida se
decretou o Ato Complementar n.º 4, dando ao Congresso Nacional o prazo de 45
dias para a organização de agremiações destinadas a substituí-los. Surgiram,
assim, a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático
Brasileiro (MDB), a primeira para apoiar o regime e o segundo para desempenhar
o papel de oposição.
A Lei n.º 4.740/1965 nasceu com pecados mortais,
responsáveis pelo atual estado de decomposição das atividades
político-partidárias: criou o Fundo Partidário com dinheiro subtraído da
educação, da saúde, da segurança, da infraestrutura, do Poder Judiciário, das
Forças Armadas; e o falso horário eleitoral gratuito, alimentado com recursos
retirados do Imposto de Renda. Do conluio entre eles nasceu a sombria figura do
marqueteiro, pago para redigir programas e impingir candidatos, com o uso do
rádio e da televisão.
Durante a primeira, a segunda, a terceira e a quarta
Repúblicas, entre 1889 e 1965, os partidos sustentaram-se com recursos
previstos nos estatutos e contribuições de simpatizantes. O dinheiro curto
impunha-lhes mais presença e combatividade. O financiamento das disputas para
vereador, prefeito, deputado, senador, governador, presidente da República, em
1945, 1950, 1954, 1960, competia às agremiações, aos candidatos e aos
eleitores. Corrupção certamente havia. Quem não ouviu falar da “caixinha do
Ademar”? Nada, porém, equiparável ao que se observa hoje, com a
institucionalização da propina, do caixa 2, de “recursos não contabilizados”,
de campanhas mentirosas arquitetadas por profissionais.
O Código Civil (artigo 44) e a Lei n.º 9.096, de
19/9/1995 (artigo 1.º), definem partido político como pessoa jurídica de
direito privado. No momento são 35, financiados com o nosso dinheiro. A reforma
eleitoral é mais simples do que se pensa. Basta emendar a Constituição para
suprimir o parágrafo 3.º do artigo 17 e, ato contínuo, revogar os dispositivos
legais que tratam do Fundo Partidário e do horário “gratuito” de rádio e
televisão. O voto deve ser livre e os partidos, incumbidos de arcar com os
custos das campanhas.
O povo sofrido e maltratado agradecerá.
*Publicado no Portal Estadão em 27/09/2017