Avenida de oportunidades*
Eliane Cantanhêde
O mundo, aí incluído o Brasil, está em polvorosa com a
posse do indescritível Donald Trump, suas nomeações e primeiras decisões, como
tirar os Estados Unidos da Parceria Transpacífico (TPP), mas aqui vai uma
inconfidência: o virtual fim do TPP pode ser péssimo para os países envolvidos,
mas é uma notícia alvissareira para o Brasil, que era carta fora do baralho e
pode voltar ao jogo.
Como me disse ontem um importante embaixador, a decisão
de Trump “pode parecer mais uma maluquice, mas repercute favoravelmente para
nós, porque o Brasil estava pessimamente posicionado e agora ganha uma nova
oportunidade nas negociações comerciais”.
Nos anos do PT, marcados por trocas de farpas e até
desaforos com Washington (não raro com boas razões...), o Brasil foi sendo excluído
do tabuleiro comercial dos EUA e está muito atrasado. Com a canetada de Trump
contra o TPP, as cartas estão sendo novamente embaralhadas, abrindo uma boa
chance para o Brasil recuperar o tempo perdido.
O governo Lula foi decisivo para enterrar a Alca (Área de
Livre Comércio das Américas) e, ato contínuo, para impedir que os vizinhos
fizessem acordos bilaterais com os EUA que, por exemplo, seriam ótimos para o
Uruguai, produtor de carne de qualidade. Em vez de Alca e acordos diretos,
Brasília apostou nas negociações multilaterais da Organização Mundial do
Comércio (OMC). Resultado: o Brasil ficou a ver navios, sem a Alca, sem as
opções bilaterais e sem a Rodada Doha da OMC, nunca concluída.
Enquanto o Brasil se pendurava no Mercosul, ia sendo
atropelado pela Aliança do Pacífico (Chile, Colômbia, México, Peru e Costa
Rica) e pelo TPP, entre EUA, México, Canadá, Japão, Brunei, Malásia, Cingapura,
Vietnã, Austrália, Nova Zelândia, Peru e Chile. Note-se que o TPP isolou não só
Brasil, mas todos os Brics: Rússia, Índia, África do Sul e até a China, que nos
anos do PT ultrapassou os EUA como principal parceiro comercial brasileiro. As
motivações de Trump para embaralhar essas cartas não são nada nobres, pois
piscam xenofobia e antiglobalização, mas o Brasil quer fazer desse limão uma
limonada.
Logo ao assumir, o chanceler José Serra deu declarações
nada diplomáticas ao Estado sobre as chances de vitória de Trump: “Prefiro
não acreditar nessa hipótese...”. Michel Temer não gostou, mas a campanha de
Trump dedicou à provocação o mesmo desprezo com que tratou o próprio Brasil e
“ninguém lembra mais”. O que o Itamaraty prefere lembrar é que o esvaziamento
do TPP fortalece a carne brasileira no Japão e que, quando o Brexit foi
aprovado, Serra rapidamente colocou o Brasil à disposição de Londres para
conversações bilaterais e, hoje, tenta articular negociações tripartites com
EUA e Reino Unido. “Impossível não é”, diz o embaixador.
Nem o governo, PSDB ou PT, ninguém defendia ou imaginava
a eleição de Trump, mas, já que ele está lá, é hora de resgatar o “pragmatismo
responsável” e desbravar a avenida de oportunidades. O que não parece bom para
o TPP pode ser bom para o Brasil. Já quem parece estar no pior dos mundos é o
México, que fica no limbo com a saída dos EUA do TPP e pode cair no inferno se
Trump também rever o Nafta, entre EUA, Canadá e México. A conclusão do
embaixador ouvido pela coluna é irônica e malvada, mas verdadeira: “O México
vai ter de se lembrar urgentemente que é latino-americano”.
Assim, o México vai despencar de sua excessiva
dependência dos EUA e o Brasil está na posição contrária, de escalar as
oportunidades que se abrem com o esvaziamento do TPP, mas, atenção!, se a
decisão de Trump apontar para uma escalada protecionista da maior potência,
será um retrocesso de grandes proporções. Nenhum país lucra, o Brasil tampouco
lucraria.
*Publicado no Portal Estadão em 24/01/2017