48 horas de tensão*
Eliane Cantanhêde
Se janeiro já foi assim, com massacres, morte do relator
da Lava Jato, AVC de ex-primeira-dama, febre amarela e prisão do homem que já
foi o mais rico do País, imagine como vai ficar com o fim do recesso do
Judiciário apressando a Lava Jato, o fim do recesso do Legislativo aumentando o
pavor da Lava Jato e o Executivo fazendo de tudo para trocar a pauta real pela
ideal – a da reforma da Previdência.
Os três Poderes chegaram estressados ao fim de 2016,
entraram perplexos em 2017 e vão se arrastando com os nervos à flor da pele. A
presidente do Supremo, Cármen Lúcia, sofre para definir o novo relator da Lava
Jato. O presidente Michel Temer sofre para nomear o novo ministro do Supremo. E
a sucessão nas presidências da Câmara e do Senado, que parecia tão definida,
ganhou pitadas de tensão nas últimas horas.
Ao homologar as 77 delações premiadas da Odebrecht ontem,
conforme antecipara o Estado, Cármen Lúcia parecia ter desanuviado o clima
para a escolha do sucessor de Teori Zavascki na relatoria da Lava Jato, mas,
fazendo as contas, ela só ganhou 48 horas. O relator vai ter de ser escolhido
de qualquer jeito entre quarta e quinta, na reabertura dos trabalhos.
Prudente, a ministra consultou cada colega em busca de
consenso para a indicação. Pensou-se em uma brecha para nomear o decano Celso
de Mello, mas essa brecha não surgiu e, além disso, ele anda com fortes dores
no quadril. Depois, trabalhou-se a ideia de transferir o mais novo, Edson
Fachin, para a Segunda Turma e para o gabinete de Teori, onde ele herdaria tudo,
dos processos em andamento – incluída a Lava Jato – aos três juízes auxiliares.
Cármen Lúcia vetou: “Não tem precedente”.
É assim que, apesar de ministros (e pessoas de bom senso)
torcerem o nariz para o sorteio, não vai ter jeito. Até ontem à noite, as
tratativas continuavam freneticamente no Supremo, onde até o procurador Rodrigo
Janot deu uma passadinha, mas tudo caminhava para um bingo entre os da Segunda
Turma: além de Fachin, recém-chegado, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo
Lewandowski e Dias Toffoli. Façam suas apostas!
Meio fora de tom, Temer elogiou Cármen Lúcia, que “fez o
que deveria fazer e, nesse sentido, o fez corretamente”. Presidente de um poder
elogiando decisão de presidente de outro?! Quem elogia acaba se sentindo no
direito de também discordar, certo? E se Cármen Lúcia sair por aí elogiando o
programa econômico do governo? Ou criticando a repactuação das dívidas dos
Estados com a União?
O fato é que, quanto mais o Judiciário mantém o ritmo ou
apressa os passos da Lava Jato, mais Temer, seus ministros e sua base aliada
têm o que temer (sem trocadilho), enquanto ele sofre as dores e as pressões
para a nomeação do 11.º ministro do STF. Como é do meio jurídico, Temer faz
questão de nomear alguém que ele conheça, com quem tenha afinidade, que jamais
tenha dado um pio contra a Lava Jato e que entenda a importância da reforma da
Previdência e de mudanças na área trabalhista para ampliar a oferta de
empregos.
Como cada nome lançado corresponde uma avalanche de
críticas, o presidente passou a avisar, meio em tom de “ameaça”: “Se eu tiver
de pagar um alto preço, pago com o Alexandre”. Traduzindo: se é para apanhar
com fulano ou beltrano, então ele nomeia sua opção original, o ministro da
Justiça, Alexandre de Moraes.
Por fim, tudo parecia tranquilo para a eleição de Rodrigo
Maia (DEM) na Câmara e de Eunício Oliveira (PMDB) no Senado amanhã, mas, para
não ficar monótono, o deputado Júlio Delgado (PSB) liderou uma ação conjunta
contra a reeleição de Maia. Mais emoção e perplexidade do que no Brasil, só
mesmo nos EUA. E, lá, as decisões tresloucadas de Donald Trump estão apenas
começando...
*Publicado no Portal Estadão em 31/01/2017