Mitos
Criam-se mitos e deturpa-se a verdade, mas
a Operação
Lava Jato está firme e forte
Eliane Cantanhêde
É inacreditável a capacidade da política brasileira (ou
seria da política em qualquer lugar do mundo?) de criar mitos, endeusar ou
demonizar líderes, falsear a realidade e manipular dados, tudo isso
potencializado pelo marketing e agora pelas redes sociais.
“Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”,
descobriu, usou e abusou Joseph Goebbels, orgulhoso por ajudar a transformar
Hitler em Hitler. Na adaptação feita no Brasil, também com enorme sucesso,
ficou assim: “Se os fatos não correspondem à versão, danem-se os fatos”.
E assim se multiplicam “verdades absolutas” que não
passam, ou não deveriam passar, por simples mecanismos de checagem, por uma
avaliação banal ou pelo velho bom senso. Elas surgem de um papo, uma reunião,
um interesse, e ganham asas sem contestação. Quem não conhece alguém capaz de
defender apaixonadamente teses absurdas e ídolos de pés de barros?
Uma primeira verdade absoluta, bem atual, que embala até
manifesto de artistas e intelectuais, é que basta Lula virar candidato para ser
eleito presidente da República nas eleições de 2018. Será tão simples? Lula
lidera as pesquisas hoje, e daí? Daí, nada. Não se sabe quem será candidato nem
quem vai sobreviver à Lava Jato. Aliás, Lula terá de enfrentar uma campanha
como réu em cinco processos, culpado pelo desastre Dilma e embalado por um PT
cambaleante.
Outro mito: o ex-deputado Eduardo Cunha continua mandando
em tudo e todos e tem o governo Temer na mão. Cunha, o mais forte presidente da
Câmara em décadas, esperneou e resistiu o quanto pôde, mas desabou da
presidência, do mandato e da própria liberdade. Está tão isolado (ou
abandonado) em Curitiba que o fato de receber a visita de um único deputado,
Carlos Marun, causa frisson. Além de chantagem, que armas e tropas Cunha tem
para mandar no governo, se não salvou nem a própria pele?
Foi mais ou menos o que aconteceu durante anos com o
sempre mito José Dirceu, que carrega uma biografia de cinema, presidiu a
ascensão e a queda do PT, criou a fama de mandar no governo Lula e manteve a
aura de continuar conduzindo não só o partido, mas toda a esquerda nacional,
mesmo depois de apontado como “chefe de quadrilha” e condenado no
mensalão. De volta às grades pelo petrolão, foi sentenciado a 20 anos e
dez meses em 2016 e a mais 11 anos e três meses na semana passada. O mito do
seu imenso poder ruiu definitivamente com um lamento dramático do seu advogado,
Roberto Podval: “Estão matando o Zé Dirceu”.
O mito da vez, a “verdade absoluta”, a versão que se
sobrepõe aos fatos, a mentira repetida mil vezes é que a Lava Jato vai virar
pizza. O juiz Sérgio Moro segue implacável e há vários Moros no País, assim
como procuradores e policiais federais. O procurador Janot deve enviar hoje ao
STF o pacote da Odebrecht. As investigações vão de vento em popa.
Vocês notaram que sai e entra ministro da Justiça (cinco
em um ano!) e, a cada vez, explode a suspeita de que o novo ungido vá trocar a
cúpula de Polícia Federal. Nenhum trocou. E notaram que os políticos tentam
resistir desesperadamente, alegando que doações de campanha eram legais e todos
recebiam, mas não são todos iguais? Eles têm razão e ninguém dá ouvidos. Assim
chegamos ao mito maior: que é só chegar ao Supremo para a Lava Jato secar. Não
secou, não seca, não secará e uma prova evidente foi a decisão da semana
passada transformando o senador Valdir Raupp (PMDB) em réu apesar de ter
declarado oficialmente doações de R$ 500 mil à sua campanha. Para bom
entendedor basta: os ministros não vão aliviar.
Está muito devagar? Bem, isso não é mito, é verdade: a
Justiça no Brasil é lenta. A diferença que era lenta e falhava, mas, se
continua lenta do Supremo, tudo indica que não vai falhar.
*Publicado no Portal Estadão em 12/03/2017