O exercício da omissão*
O relator Sérgio Zveiter utilizou as 31 páginas de seu
parecer para afirmar, na CCJ, a indigente tese de que,
se há uma denúncia, os
deputados devem aceitá-la
Cumprindo as expectativas, o deputado Sérgio Zveiter
(PMDB-RJ) apresentou na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara um
parecer eminentemente político sobre a denúncia feita contra o presidente
Michel Temer pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Sem
corresponder às suas responsabilidades constitucionais, que lhe impunham a
tarefa de analisar com seriedade o conteúdo da acusação feita pelo
procurador-geral, o relator utilizou as 31 páginas de seu parecer para afirmar
a indigente tese de que, se há uma denúncia, os deputados devem aceitá-la.
Segundo Zveiter, o papel da Câmara é justamente não cumprir o papel que a
Constituição lhe dá, portando-se tão somente como despachante da
Procuradoria-Geral da República (PGR).
O relatório de Zveiter mencionou a existência de uma
“narrativa forte”, com “sólidos indícios” contra o presidente Michel Temer.
Mais do que convencer, tais palavras parecem destinadas a lançar uma cortina de
fumaça sobre a acintosa fragilidade da peça acusatória. Janot acusou o
presidente da República de receber vantagem indevida de R$ 500 mil, mas não
apontou um único indício de que Temer teria recebido tal valor – onde, quando,
como. Zveiter, no entanto, não enfrentou a questão, optando simplesmente por
apoiar a admissibilidade da denúncia.
O relator teve ainda a ousadia de dizer que, atuando
assim, se tinha “pleno funcionamento dos mecanismos que a Constituição Federal
prevê para uma crise desta magnitude”. Ora, ao atribuir à Câmara o juízo de
admissibilidade de uma denúncia contra o presidente da República, a Assembleia
Constituinte de 1988 pretendeu assegurar que um presidente não seria afastado
do cargo por uma denúncia inepta. Aos olhos do constituinte, esse é um assunto
tão grave que não pode ser deixado a cargo apenas do Supremo Tribunal Federal.
Em vez de simplesmente reconhecer o dever que a
Constituição lhe impunha, o deputado Zveiter preferiu inverter o ônus da prova
e declarar a estranha teoria de que, em caso de dúvida num processo penal, deve
valer a palavra da acusação. Ora, pretender afastar um presidente da República
do cargo simplesmente por força da “narrativa forte” do procurador-geral da
República, que não veio acompanhada dos necessários elementos probatórios, é
uma perigosa arbitrariedade, que a Constituição pretendeu evitar justamente
sujeitando a denúncia à apreciação da Câmara.
Cabe agora à CCJ, e, depois, ao plenário da Câmara, ter
uma noção mais clara do seu papel constitucional. O inarredável caráter
político do Congresso não pode levar à tese de que os deputados devem
simplesmente anuir ao pedido do procurador-geral da República, como se eles não
tivessem o dever de checar se os termos da acusação têm um mínimo de
fundamento.
Para que a crise política não se transforme em campo
aberto para a irresponsabilidade dos oportunistas de plantão, é necessário que
as autoridades dos Três Poderes mantenham os pés no solo firme do bom Direito.
O ordenamento jurídico deve ser o critério. Nesse sentido, são descabidas as
críticas contra as trocas feitas pelos partidos da base aliada na composição da
CCJ, para garantir votos favoráveis ao presidente Michel Temer. Esse tipo de
condenação demonstra malicioso desconhecimento das regras parlamentares.
Segundo o Regimento Interno da Câmara, cabe aos partidos designar os deputados
que integrarão a comissão. É, portanto, legítimo que cada legenda assegure que
os votos que lhe correspondem na CCJ estejam em conformidade com as diretrizes
partidárias. Ao contrário do que alguns querem pintar, nada há de suspeito
nesse tipo de articulação parlamentar. É um recurso comum e regular.
*Publicado no Portal Estadão em 12/07/2017