Cleptocracia renitente
Os escalões ignoram o Estado de Direito, zombam da
capacidade de punição dos corruptos
Vera Magalhães
A espantosa revelação de que, com a Lava Jato comendo solta
e um monte de gente presa, Aldemir Bendine negociou o recebimento de pelo menos
R$ 3 milhões em propina da Odebrecht às vésperas de assumir a Petrobrás com a
missão de saneá-la mostra a profundidade do buraco em que o Brasil se meteu na
última quadra.
Trata-se de uma cleptocracia renitente, em que seus
integrantes de todos os escalões ignoram o Estado de Direito, zombam da
capacidade de punição dos corruptos, se sentem à vontade para pedir dinheiro
por mensagem eletrônica, como se houvesse um caixa eletrônico virtual da
propina, correm pela rua com malas recheadas de pixuleco para pegar táxi e
discutem à luz do dia a mudança das leis de forma a permitir que a pilhagem
continue sem admoestações.
A corrupção brasileira não começou com o PT, mas foi obra
do lulismo a construção desse regime de ladrões, em que todos os escalões foram
loteados por companheiros cuja única razão de estarem onde estavam era montar
uma rede de financiamento político-partidário cedendo a empresários “amigos”
financiamentos, contratos, leis feitas sob encomenda, negócios em países
governados por ditaduras aliadas e toda sorte de traficância.
Os petistas, em seu exercício quase comovente de
autoengano, vão se apressar em gritar: mas e Michel Temer? O atual governo, que
manteve a cleptocracia instalada, nada mais é que continuação do de Dilma
Rousseff.
Não há ginástica retórica nem cambalhota intelectual que
altere o fato histórico de que foi Lula quem inventou do nada a candidatura de
Dilma e colocou Temer como seu vice. Foi ele quem designou o casal João Santana
e Monica Moura para repaginar Dilma, que a vendeu como uma técnica competente
(!), “mãe” do PAC, depois “faxineira” da corrupção e outras tantas
mistificações para alguém que era incapaz de governar o País, por inabilidade política,
por incapacidade de gestão e uma visão totalmente enviesada do papel da
economia, atributos reais escondidos sob o manto do marketing e pelos quais o
País vai pagar décadas.
Não cola também o outro véu com que se tentou vestir
Dilma, o da presidente honesta que não sabia de nada do sambalelê da corrupção
que grassava em seu governo.
Afinal, foi ela quem trocou José Sérgio Gabrielli pela
amiga Graça Foster e ordenou o desmonte do condomínio PT-PMDB-PP que parasitava
a companhia. Depois, foi ela quem sucumbiu às pressões e trocou a amiga pelo
agora preso Bendine, vendido como alguém que iria recolocar a empresa nos
trilhos.
Não foi por falta de aviso prévio. A gestão de “Dida” no
Banco do Brasil já havia sido coroada de episódios capazes de inabilitá-lo para
essa missão em qualquer governo minimamente sério.
Ele comprou um apartamento por R$ 150 mil em dinheiro
vivo, usou as linhas de financiamento do BB para dar mimos à amiga Val
Marchiori e se meteu numa guerra de gangues com o então presidente da Previ,
Ricardo Flores, em que as armas eram dossiês, ameaças e o uso do fundo e das
diretorias do banco como instrumentos para derrubar os inimigos.
O esquema do PMDB na Caixa, com Geddel Vieira Lima,
Eduardo Cunha e Fábio Cleto à frente, nada mais é que a fatia dos aliados dada
pelo PT na cleptocracia lulo-dilmista. O mesmo vigorou na Transpetro, dada como
capitania ao outro PMDB, o do Senado, e em todos os demais espaços
públicos.
Não é possível, portanto, os petistas apontarem o dedo e
berrarem “Fora, Temer”. Foi seu líder supremo quem transformou o aparelho de
Estado numa lucrativa organização político-partidária destinada a tornar ricos
empresários que aceitassem colaborar com o esquema e burocratas com vocação
para mafiosos. Essa é a verdadeira herança de pai Lula e mãe Dilma, uma
cleptocracia que resiste.
*Publicado no Portal Estadão em 30/07/2017