Um pedido incompreensível*
Não é por falta de trabalho que Rodrigo Janot se dedica a
reiterar
pela terceira vez o pedido de prisão de Aécio Neves
Consciente da importância que o funcionamento livre do
Congresso Nacional tem para a democracia, a Constituição Federal de 1988 é
taxativa em relação às garantias dos parlamentares. “Desde a expedição do
diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em
flagrante de crime inafiançável”, diz o art. 53, § 2.º da Carta Magna.
A clareza do texto constitucional não parece, no entanto,
suficiente para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que, no final
de julho, protocolou no Supremo Tribunal Federal (STF) mais um recurso pedindo
a prisão do senador Aécio Neves (PSDB-MG). Desde o mês de maio, é a terceira
vez que Rodrigo Janot postula, com argumentos similares, a prisão do senador
mineiro. Incapaz de enquadrar eventual prisão de Aécio na exceção
constitucional, o procurador-geral da República arrisca-se em conceitos como
estado de flagrância e estado de ilicitude permanente. Melhor seria o respeito,
simples e cristalino, ao ditame de 1988.
Diante desse terceiro pedido de prisão, tem-se a
impressão de que possivelmente está sobrando tempo na Procuradoria-Geral da
República (PGR). De outra forma, é incompreensível a dedicação de tanto esforço
– só o último pedido teve 64 páginas – a uma causa que afronta diretamente o
texto constitucional e, portanto, tem chances remotíssimas de prosperar.
Essa suposta sobra de tempo não se coaduna, no entanto,
com o ritmo que se vê nos processos penais e os inquéritos no STF. Uma coisa é
a Lava Jato em Curitiba, outra bem diferente é a que corre em Brasília. No ano
passado, o ministro Teori Zavascki, então relator da operação no STF, afirmou
mais de uma vez que a responsabilidade pela lentidão da Lava Jato na Suprema
Corte não era dos ministros, e sim da Polícia Federal e do Ministério Público
Federal. Em uma das ocasiões, Zavascki citou que, dos 74 inquéritos da Lava
Jato que lhe haviam chegado até aquele momento, a Procuradoria-Geral da
República não havia apresentado denúncia em 58 deles.
Sendo assim, deve-se reconhecer que não é por falta de
trabalho que o procurador-geral da República se dedica a reiterar pela terceira
vez o pedido de prisão de Aécio Neves. Entre os muitos processos que tem sob
sua responsabilidade, Rodrigo Janot julga como prioridade ocupar uma vez mais o
STF com um pedido de uma prisão que o STF já negou por duas vezes.
O caso, porém, está longe de ser apenas uma escolha
inadequada de prioridades. O grave nessa história é que a missão do Ministério
Público se dirige justamente à “defesa da ordem jurídica, do regime democrático
e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”, conforme fixada pela
Constituição. Ou seja, não é papel dos procuradores contrariar a Constituição,
o que ocorre quando se pede a prisão de um parlamentar que não esteja “em
flagrante de crime inafiançável”.
Parte considerável da crise que o País atravessa
atualmente foi ocasionada pelo desrespeito ao papel das instituições, como se
viu quando o PT esteve no governo federal. Houve uma usurpação do poder público
para fins alheios às suas atribuições legais. Fenômeno semelhante ocorre quando
membros do Ministério Público usam o cargo que detêm para fins contrários à sua
missão institucional. Nesse caso, os fins da atuação do Ministério Público já
não seriam jurídicos, pois estariam a contrariar o que determina a lei. Seriam,
portanto, políticos?
Certamente, o País espera que o Ministério Público seja
diligente e persistente em suas causas. A investigação e a perseguição da
atividade criminosa exigem um bom grau de tenacidade e, muitas vezes, é preciso
recorrer para que prevaleça o bom Direito. É de reconhecer, no entanto, que o
terceiro pedido de prisão do senador Aécio Neves em nada reflete essa saudável
teimosia. É antes um extenuante contorcionismo para que o STF esqueça a
Constituição e se aventure nos perigosos caminhos do arbítrio. Sem dúvida, é
melhor ater-se ao livrinho.
*Publicado no Portal Estadão em 02/08/2017