Pactos de sangue*
Lula é alvo de Palocci e Janot; Joesley é alvo
de todos, até dele mesmo
Eliane Cantanhêde
Sai Michel Temer por ora e entram na mira o ex-presidente
Lula e o empresário Joesley Batista. O depoimento do ex-poderoso ministro
Antonio Palocci é considerado a bala de prata contra Lula, enquanto o arrogante
Joesley cuidou de atirar, ele mesmo, no próprio pé – ou no próprio peito. Se o
PT vinha lucrando com a desgraça de Temer, não lucra mais.
Lula passou as últimas semanas encenando o papel de
candidato a presidente, mas essa possibilidade é cada vez mais distante. Numa
única semana, e numa semana com feriado na quinta-feira, ele foi atingido
duramente duas vezes: além de Palocci denunciar o “pacto de sangue” entre PT e
Odebrecht, o procurador Rodrigo Janot denunciou Lula e a pupila Dilma Rousseff
por organização criminosa.
Condenado num processo e réu em cinco outros, Lula parece
ter sete vidas políticas, mas vai consumindo uma a uma, com as denúncias de
desvios, escândalos e favorecimento pessoal ilícito. O PT e seus seguidores não
têm mais como atribuir as agruras de Lula na Justiça ao juiz Sérgio Moro ou à
elite malvada, à direita enraivecida ou à mídia parcial.
Quem agora denuncia Lula é Janot, que até pode ser
considerado inimigo de Temer, mas nunca foi chamado de inimigo do petista. E
ele não denunciou apenas Lula, mas também Dilma, o próprio Palocci, mais três
ex-ministros, o ex-tesoureiro do PT Vaccari Neto e a presidente nacional do PT,
Gleisi Hoffmann. E pediu o bloqueio de nada modestos R$ 6,5 bilhões da turma.
E quem está contando os podres de Lula e o PT é Palocci,
legítimo representante da elite, mas da elite do PT e dos governos Lula e
Dilma, dos quais, aliás, caiu estrondosamente – e por suspeitas de corrupção.
Logo, Palocci participou de tudo e sabe bem como as coisas funcionavam. Já
imaginaram uma acareação pública entre Lula e Palocci?!
Lula está gravemente baleado e vai perdendo seu discurso
de vítima e sua eterna condição de inimputável. Com um detalhe: desde o início,
inclusive aqui neste espaço, falou-se que Antonio Palocci não é um José Dirceu.
Há um gap de ideologia, de compromisso, talvez de caráter. Dirceu tem aguentado
firme e forte, mas Palocci iria cair mais cedo ou mais tarde. Aliás, como Guido
Mantega, o próximo a abrir a boca.
A balança entre Temer e Joesley Batista também inverteu.
Se Joesley armou uma armadilha para Temer e quase derrubou um presidente da
República, é a vez de Temer assistir, de camarote, à desgraça do seu algoz, com
o sabor extra de sentir a aflição de Janot, que agora flecha e é flechado.
A conversa asquerosa com Ricardo Saud revela um Joesley
simplório, mas megalomaníaco. Tinha certeza de que jamais seria preso, ameaçava
“moer” o Executivo e o Judiciário e gabava-se de comprar qualquer um, mas deve
ser preso, sim, como pede o ministro do STF Luiz Fux, está sendo moído pela PGR
que manipulou e servido de bandeja para a opinião pública. O ex-poderoso
Joesley virou uma ilha, cercado por todos os lados. Tudo o que disser, daqui em
diante, será usado contra ele.
Temer tem 15 minutos de alívio, mas deve ser prudente.
Nenhuma imagem foi tão avassaladora, em três anos e meio de Lava Jato, quanto o
apartamento cheio de malas e caixas com R$ 51 milhões – R$ 51 milhões! – do seu amigo e
ex-ministro Geddel Vieira Lima. Geddel foi vice-presidente da CEF no governo
Dilma, mas sua identificação pública e política é com Temer. A mala de dinheiro
do ex-assessor Rocha Loures já fez bom estrago na imagem do presidente. Imagine-se
um apartamento de dinheiro do ex-ministro Geddel? Na próxima semana, as flechas
de Janot devem se voltar de novo contra Temer, seu alvo preferencial.
*Publicado no Portal Estadão em 08/09/2017