terça-feira, 23 de janeiro de 2018

➤OPINIÃO – 2

O respeito à lei

Não tem sido raro ouvir que, em vez de ser condenado pela Justiça, é preferível que o sr. Lula da Silva participe das eleições e seja vencido nas urnas. Até o presidente da República, Michel Temer, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, aderiu a essa opinião. “Acho que se o Lula participar, será uma coisa democrática, o povo vai dizer se quer ou não. Convenhamos, se fosse derrotado politicamente, é melhor do que ser derrotado (na Justiça) porque foi vitimizado. A vitimização não é boa para o país e para um ex-presidente”, disse Temer.

Esse tipo de comparação entre derrota nas urnas e condenação nos tribunais é um enorme equívoco, já que são assuntos completamente diferentes. Numa República não cabe não aplicar as leis. A Lei Complementar 135/2010 (Lei da Ficha Limpa) é expressa: “São inelegíveis para qualquer cargo os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena, pelos crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores”.

Se a legislação determina a inelegibilidade por força de uma condenação penal, as pessoas nessas condições não podem participar das eleições. Não pode haver uma suspensão dos efeitos da lei em razão de um suposto benefício para o País. É condição sine qua que a lei seja cumprida. De outra forma, já não haveria República, mas um regime de exceção, onde nem todos são iguais perante a lei.

É uma falácia dizer que uma eventual derrota de Lula da Silva nas urnas terá maior legitimidade democrática do que a sua exclusão das eleições por força da Lei da Ficha Limpa. Para que exista democracia, é preciso antes haver respeito às leis. Caso contrário, não há sentido falar em igualdade ou em direitos políticos. Quem fosse o mais forte, quem detivesse mais poder político ou econômico determinaria as regras do jogo. Justamente para que isso não ocorra, é necessário o respeito à lei – essa é a essência da República. O descumprimento da lei não é caminho para a democracia. É o atalho para o arbítrio.

O caráter democrático das eleições de 2018 não sofrerá, portanto, o mínimo abalo se, em razão de uma condenação em segunda instância por crime de corrupção e lavagem de dinheiro, o sr. Lula da Silva for impedido de participar do pleito presidencial. Ao contrário, se esse veto se concretizar, em decorrência da Lei da Ficha Limpa, ficará claro que, neste país, a vigência das leis e o vigor das instituições andam juntos.

Subordinar a legitimidade do pleito deste ano à presença de Lula na lista eleitoral é uma aberração que só deveria interessar aos radicais. Como os ideais democráticos nunca foram parte da real identidade política dessa gente, eles se sentem indignados quando não veem juízes e tribunais ajoelhados perante o demiurgo de Garanhuns.

Com manifestas dificuldades para defender o líder petista das acusações de corrupção e lavagem de dinheiro, a turma do PT tenta agora disseminar o medo. Dilma Rousseff escreveu no Twitter que, sem Lula candidato, o Brasil será ingovernável.

A realidade é, no entanto, justamente a oposta do que afirma Dilma Rousseff. O cumprimento da lei é o que assegura a governabilidade do País. E isso pôde ser comprovado reiteradas vezes nos anos em que o PT esteve à frente do governo federal. A indiferença da legenda em relação à lei proporcionou a maior crise política, econômica, social e moral que o País já sofreu.

Na tarefa de reconstrução do Brasil, não convém contrapor, por mais leves que possam parecer as suas consequências, o respeito à lei a supostas vantagens políticas. Para participar das eleições presidenciais, o sr. Lula da Silva, assim como todos os outros pretendentes, precisa adequar-se às regras eleitorais. Se não cumprir os requisitos da lei, não há dúvida de que o melhor para o País, para as instituições, para a moralidade pública e para a democracia é que não participe. Concorrer fora da lei é um acinte à República.

*Publicado no Portal Estadão em 23/01/2017

➤OPINIÃO

Terra, água e ar

Eliane Cantanhêde

Isso é tudo o que o ex-presidente Lula queria: o centro de Porto Alegre sitiado por terra, água e ar, com atiradores de elite por toda parte e cenário de filmes de ação, para que os três desembargadores do TRF-4 possam dar um veredicto amanhã, pela sua condenação ou absolvição. Imaginem as imagens!

Com esse grau de dramaticidade, Lula vai tentar mostrar não só ao Brasil, mas ao mundo, o quanto ele é poderoso e “vítima” de uma elite que domina até o Judiciário e só pensa em riscar seu nome das cédulas de outubro. No filme lulista/petista, Lula é “o bem”, o juiz Sérgio Moro é “o mal”.

Se é capaz de culpar a Lava Jato pela falência do Rio e de passar a mão na cabeça de Sérgio Cabral, acusado de roubar da educação, da saúde e de tudo o que dependia de sua caneta de governador, imagine-se do que Lula é capaz para se safar ele próprio...

Assim como o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato fez de tudo para convencer as instituições e a sociedade na Itália de que correria o risco de morrer nas penitenciárias brasileiras, Lula faz agora o que pode e o que não pode para se dizer alvo do mesmo sistema torpe e de uma justiça contaminada.

Bem, a Itália mandou Pizzolato de volta, ele passou um tempinho na cadeia e já está livre, vivinho da Silva e sem um arranhão. O mesmo pode acontecer com Lula: sair dessa como qualquer réu, condenado ou absolvido, aguardando as outras ações. Ele não vai morrer por isso. Nem ele e tomara que ninguém, apesar do aparato de segurança e da ameaça da presidente do PT.

Soa estranho quando intelectuais não se horrorizam com a necessidade de aviões, navios e tanques para a segurança dos desembargadores, mas se metem a falar sobre autos que não conhecem, para inocentar Lula com a mesma sofreguidão com que seus adversários exigem a condenação.

Em sua condenação, Moro concluiu, grosso modo, que empreiteiras ofereciam o triplex a Lula com uma mão enquanto roubavam dinheiro público com a outra. Sob outro ângulo, que Lula negociava vantagem pessoal para deixar as empresas roubarem em paz. O TRF-4 vai julgar se há ou não provas e evidências disso.

Os opositores de Lula dispensam provas (?!). Os defensores alegam que ele tem o direito de comprar apartamento e alugar sítio. Ora, ora! Se ele tivesse comprado o triplex ou alugado o sítio de Atibaia não haveria nenhum problema, nenhum processo, nenhum fuzuê, nem aviões e tanques amanhã. O problema é justamente o contrário: ele não comprou nem alugou e é acusado de tê-los ganho num troca-troca entre corruptores e corruptos.

Outros defensores de Lula sugerem algo ainda mais bizarro: que os desembargadores anulem tudo, porque, afinal, Lula é Lula e eles devem jogar a Constituição, as leis e a responsabilidade no lixo para atender à pressão de quem? Dos intelectuais! Dos intelectuais do Direito ao menos? Não, de qualquer um que seja tratado como intelectual.

Muita calma nessa hora! O debate irascível, a guerra e a parafernália em Porto Alegre desrespeitam a Justiça e, repita-se, servem para endeusar ainda mais Lula, que conduz corações e almas e conspira contra a racionalidade, de um lado e de outro.

De nossa parte, o que se pode desejar é que o TRF-4 faça justiça. Como? Os três desembargadores, que estudaram Direito a vida toda, estão lá por concurso e se debruçaram sobre cada página da condenação de Lula, saberão como, para mantê-la ou não. O importante amanhã não é o que ocorrerá fora, mas dentro do TRF-4. Deixem os homens trabalhar!

As eleições são outra história: se é praticamente unânime que Cristiane Brasil não pode assumir o ministério por multas na Justiça do Trabalho, por que Lula deveria assumir a Presidência depois de tantas complicações na Justiça?

*Publicado no Portal Estadão em 23/01/2018