O respeito à lei
Não tem sido raro ouvir que, em vez de ser condenado pela
Justiça, é preferível que o sr. Lula da Silva participe das eleições e seja
vencido nas urnas. Até o presidente da República, Michel Temer, em entrevista ao
jornal Folha de S.Paulo, aderiu a essa opinião. “Acho que se o Lula
participar, será uma coisa democrática, o povo vai dizer se quer ou não.
Convenhamos, se fosse derrotado politicamente, é melhor do que ser derrotado
(na Justiça) porque foi vitimizado. A vitimização não é boa para o país e para
um ex-presidente”, disse Temer.
Esse tipo de comparação entre derrota nas urnas e
condenação nos tribunais é um enorme equívoco, já que são assuntos
completamente diferentes. Numa República não cabe não aplicar as leis. A Lei
Complementar 135/2010 (Lei da Ficha Limpa) é expressa: “São inelegíveis para
qualquer cargo os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou
proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do
prazo de oito anos após o cumprimento da pena, pelos crimes de lavagem ou
ocultação de bens, direitos e valores”.
Se a legislação determina a inelegibilidade por força de
uma condenação penal, as pessoas nessas condições não podem participar das
eleições. Não pode haver uma suspensão dos efeitos da lei em razão de um
suposto benefício para o País. É condição sine qua que a lei seja
cumprida. De outra forma, já não haveria República, mas um regime de exceção,
onde nem todos são iguais perante a lei.
É uma falácia dizer que uma eventual derrota de Lula da
Silva nas urnas terá maior legitimidade democrática do que a sua exclusão das
eleições por força da Lei da Ficha Limpa. Para que exista democracia, é preciso
antes haver respeito às leis. Caso contrário, não há sentido falar em igualdade
ou em direitos políticos. Quem fosse o mais forte, quem detivesse mais poder
político ou econômico determinaria as regras do jogo. Justamente para que isso
não ocorra, é necessário o respeito à lei – essa é a essência da República. O descumprimento
da lei não é caminho para a democracia. É o atalho para o arbítrio.
O caráter democrático das eleições de 2018 não sofrerá,
portanto, o mínimo abalo se, em razão de uma condenação em segunda instância
por crime de corrupção e lavagem de dinheiro, o sr. Lula da Silva for impedido
de participar do pleito presidencial. Ao contrário, se esse veto se
concretizar, em decorrência da Lei da Ficha Limpa, ficará claro que, neste
país, a vigência das leis e o vigor das instituições andam juntos.
Subordinar a legitimidade do pleito deste ano à presença
de Lula na lista eleitoral é uma aberração que só deveria interessar aos
radicais. Como os ideais democráticos nunca foram parte da real identidade
política dessa gente, eles se sentem indignados quando não veem juízes e
tribunais ajoelhados perante o demiurgo de Garanhuns.
Com manifestas dificuldades para defender o líder petista
das acusações de corrupção e lavagem de dinheiro, a turma do PT tenta agora
disseminar o medo. Dilma Rousseff escreveu no Twitter que, sem Lula candidato,
o Brasil será ingovernável.
A realidade é, no entanto, justamente a oposta do que
afirma Dilma Rousseff. O cumprimento da lei é o que assegura a governabilidade
do País. E isso pôde ser comprovado reiteradas vezes nos anos em que o PT
esteve à frente do governo federal. A indiferença da legenda em relação à lei
proporcionou a maior crise política, econômica, social e moral que o País já
sofreu.
Na tarefa de reconstrução do Brasil, não convém
contrapor, por mais leves que possam parecer as suas consequências, o respeito
à lei a supostas vantagens políticas. Para participar das eleições
presidenciais, o sr. Lula da Silva, assim como todos os outros pretendentes,
precisa adequar-se às regras eleitorais. Se não cumprir os requisitos da lei,
não há dúvida de que o melhor para o País, para as instituições, para a
moralidade pública e para a democracia é que não participe. Concorrer fora da
lei é um acinte à República.
*Publicado no Portal Estadão em 23/01/2017