A farsa do Lula mártir*
Diante da contundência e da clareza com que o Tribunal
Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) confirmou o veredicto condenatório do
sr. Lula da Silva por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, há quem venha
alertando para o risco de que o réu seja transformado em mártir. De acordo com
essa opinião, melhor seria que o cacique petista pudesse participar
tranquilamente das eleições e, principalmente, que a Justiça não tentasse
levá-lo à cadeia. Uma atuação forte da Justiça contra este singularíssimo réu,
dizem essas vozes, poderia suscitar uma convulsão política e social, criando
desnecessariamente um grave perigo para o País.
Tal opinião é absolutamente infundada. É palpite infeliz.
No processo relativo ao triplex do Guarujá, a Justiça proferiu duríssima decisão
contra o sr. Lula da Silva – foi condenado a 12 anos e 1 mês de prisão em
regime fechado pelo TRF-4 – e não houve qualquer reação popular a favor do réu
petista. O que se viu foi apenas o protesto minguado de alguns petistas, que
manifestaram, mais do que uma improvável convicção relativa à inocência do réu,
o desespero de quem vê o seu demiurgo envolto em aviltantes tramoias de
corrupção.
A crença de que Lula se transformará num mártir caso a
Justiça não lhe dê um tratamento especial – no mínimo, que o Poder Judiciário
não se furte a ponderar previamente supostos efeitos políticos das decisões
envolvendo o ex-presidente petista – é justamente o que o interessado maior
nessa patranha espera que aconteça, pois é a única salvação que parece lhe
restar.
Esgotados os frágeis argumentos jurídicos de sua defesa,
o sr. Lula da Silva apela para a farsa política, dando a entender que seria
mais poderoso do que as instituições do País. O medo de que Lula seja
transformado em mártir não é, assim, consequência de uma preocupação com o
interesse nacional e a ordem pública. É a velha manipulação petista da
realidade, numa canhestra tentativa de mais uma vez enganar a população. O
engodo é evidente. Incapaz de mostrar a inocência do seu líder ante a
condenação em segunda instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, a
legenda em frangalhos deseja que o povo acredite que as instituições nacionais
são frágeis e, portanto, não devem ousar enfrentar o mito Lula.
O bom funcionamento da Justiça não produz mártires. Quando
o Poder Judiciário atua de forma isenta, aplicando a lei equanimemente, não há
alvoroços políticos e sociais. O resultado, na verdade, é um ambiente de mais
segurança, mais serenidade, mais racionalidade; enfim, mais paz. Foi o que se
viu após o julgamento da 8.ª Turma do TRF-4.
Deixar de aplicar a lei ao réu Lula com receio de efeitos
políticos seria um vergonhoso desrespeito ao Estado Democrático de Direito,
pois significaria transigir num de seus pontos basilares: o princípio de que
todos são iguais perante a lei. Não cabem exceções à lei.
Além disso, não aplicar a lei por medo do mártir só
reforçaria a fantasia de que o sr. Lula da Silva está acima da lei e das
instituições. No ambiente próprio da República, onde a lei se aplica a todos,
não florescem mártires nem mitos. Tais figuras só vivem fora dos limites
legais.
É muito importante para o País que a história política de
Lula não represente qualquer exemplo de imunidade face aos crimes comuns que
ele cometeu. O que a população mais almeja em suas constantes manifestações
contra a corrupção e a impunidade é a igualdade do tratamento dado a humildes e
a poderosos.
Se a Nação deseja trilhar caminhos de normalidade
republicana e democrática, deve de uma vez por todas parar de flertar com esses
raciocínios que responsabilizam a aplicação da lei por fantasiosas desordens
sociais ou políticas. Se a lei diz que o sr. Lula da Silva, por força de seus
atos criminosos, deve, em vez de ser candidato, ir para a cadeia, o melhor para
o País é que, como todo cidadão, ele seja submetido à lei. Afinal, sem a espada
e a venda, a Justiça nada é.
*Publicado no Portal Estadão em 05/02/2018