Raquel e Fernando*
Eliane Cantanhêde
Ao mesmo tempo, num movimento que parecia combinado, o
presidente Michel Temer nomeou o delegado Fernando Segovia para a
diretoria-geral da Polícia Federal e escolheu a procuradora Raquel Dodge para a
Procuradoria-Geral da República. E ficou todo mundo de olho nos dois.
Segovia e Dodge, por motivos bem diferentes, sofriam
fortes resistências de seus antecessores – Leandro Daiello, na PF, e Rodrigo
Janot, na PGR – e suportaram críticas, cochichos e fofocas no sentido de que
tinham como compromisso abafar a Lava Jato, preservando principalmente Temer e
sua turma.
Segovia, o Breve, que nem era o preferido de Daiello, da
corporação e do próprio chefe, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, deu com
os burros n’água. Dodge, ao contrário, vem demonstrando firmeza, independência
e profissionalismo. Se recebe críticas, é pelo corporativismo.
Em menos de seis meses, e tendo de lidar com erros do
antecessor, Dodge vem fazendo tudo o que tem de fazer, sem pressa, sem
histeria, sem perseguir nem passar a mão na cabeça de ninguém – nem de Temer.
Ao mesmo tempo que anulou as delações premiadas de Joesley e Wesley Batista, os
grandes troféus de Janot e fontes das maiores amarguras de Temer, Dodge também
não dá sossego ao presidente.
Foi a PGR quem pediu ao Supremo o veto a parte do indulto
de Natal concedido por Temer e acusado de ser o mais benevolente com criminosos
em décadas. Também foi ela quem garantiu o depoimento de Temer no caso
Rodrimar, do Porto de Santos, e acaba de incluí-lo na investigação de denúncias
de acertos de propina da Odebrecht para o PMDB no palácio do Jaburu.
Com um detalhe: ao fazê-lo, Dodge mudou o entendimento de
que presidentes não podem ser investigados por atos cometidos antes do mandato.
Alegou que eles não podem ser processados, mas têm de ser investigados para que
não se percam provas e dados decisivos. E, para quem imaginava, ou temia, que
ela seria um braço de Gilmar Mendes na Procuradoria (que ele, aliás, já
ocupou), as sinalizações são em sentido contrário.
Dodge, por exemplo, recorreu da insistente mania do amigo
de tirar da cadeia o empresário Jacob Barata, envolvido até a alma na era
trágica de Sérgio Cabral. Assim como ela também foi ao STF para anular a
decisão da Assembleia Legislativa do Estado de mandar soltar seu presidente,
Jorge Picciani, e seus comparsas.
De outro lado, ela é publicamente contra a revisão da
prisão após condenação em segunda instância, foco e esperança do ex-presidente
Lula. Aliás, ela também é contra o foro privilegiado tal como está, mas
recorreu contra a decisão do ministro Luís Roberto Barroso de enviar para a
primeira instância casos de deputados como Beto Mansur. Afinal, o foro ainda
está de pé. A ressalva a Dodge é defender auxílio-moradia a esta altura.
E Fernando Segovia? Ele não era diretor ou
superintendente da PF, era só mais um na Corregedoria. Nomeado por políticos,
ficou cercado de adversários na corporação. Não caiu por causa deles, porém,
mas por ele mesmo. Chegou menosprezando a mala de R$ 500 mil do
assessor Rocha Loures e saiu prevendo que as investigações contra Temer não
dariam em nada. No meio tempo, Segovia passava por cima do ministro e falava
diretamente com o presidente, frequentava festas políticas e criou um prato
feito para vazamentos: a divulgação do número dos processos em remanejamentos
de pessoal.
Na reta final do governo, e sem contar o fim da recessão
e as boas perspectivas econômicas, o destaque é Raul Jungmann no Ministério da
Segurança Pública e a dupla Dodge, na PGR, e Rogério Galloro, na PF. O combate
ao crime organizado é para valer e o combate à corrupção não vai parar. Quem
tem rabo preso que se cuide.
*Publicado no portal do jornal Estadão em 02/03/2018