Medida necessária*
Não se pode conceber a intervenção federal na segurança
do Estado do Rio de Janeiro como um fato isolado, fora de contexto, sob o risco
de se cair numa armadilha. A decisão foi tomada pelo presidente Michel Temer, a
pedido do próprio governador Luiz Fernando Pezão, que admitiu que a violência
estava fora de controle, e o estado, que ainda tenta se recuperar da maior
crise financeira de sua história, sem recursos para fazer frente às demandas
impostas pelo aumento da criminalidade.
Não é segredo para ninguém, até porque foi amplamente
divulgado, o descalabro que aconteceu durante o carnaval, maior festa popular
do Rio e ocasião em que a cidade está repleta de turistas nacionais e
estrangeiros. Arrastões em plena orla de Ipanema, saque a supermercado no
Leblon, furtos e roubos por toda parte — alguns seguidos de covardes agressões
às vítimas — e desordem generalizada. Tudo isso enquanto Pezão estava em Piraí,
no interior do estado.
Nos bastidores, comenta-se que os lamentáveis episódios
do carnaval foram a gota d’água para a intervenção. Mas cariocas e fluminenses
sabem que eles eram apenas uma extensão do que já vinha ocorrendo, embora
autoridades parecessem ignorar a gravidade da situação. Adolescentes atingidos
por balas perdidas dentro de escolas; bebê baleado na barriga da mãe; inocentes
mortos em operações desastradas; policiais militares sendo assassinados em
série. Em resumo, o caos.
Os números refletem esse cenário de anomia. Segundo o
Instituto de Segurança Pública (ISP), o Estado do Rio fechou 2017 com 5.332
homicídios dolosos, o que representa um aumento de 5,75% em relação ao ano
anterior. Os dados de janeiro deste ano mostram que a situação permanece grave.
Os casos de letalidade violenta (homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal
seguida de morte e autos de resistência) aumentaram 7,6% em comparação com o
mesmo período do ano passado (de 603 para 649). Nesse grupo, os chamados
homicídios decorrentes de intervenção policial (autos de resistência)
dispararam 57,1% (de 98 para 154).
Portanto, é nesse contexto que se dá a intervenção. E,
analisando os fatos sem viés ideológico, não há por que comparar a situação
atual com arroubos de autoritarismo dos anos de chumbo. O decreto foi aprovado
pelo Congresso Nacional, com ampla maioria, respeitando a Constituição. Tudo
dentro da lei.
Caberá a órgãos como Ministério Público, Defensoria
Pública etc. denunciar eventuais desvios de conduta de quem quer que seja, como
acontece no estado democrático de direito.
Se há hoje algum estado de exceção é o que impõe às
comunidades a lei do tráfico e da milícia, que espalham o terror e cobram taxas
por serviços básicos que outros cidadãos não pagam.
A intervenção é uma oportunidade para sanear as polícias
e lançar as bases de uma efetiva integração entre as forças de segurança,
privilegiando a inteligência e as ações planejadas. Só assim será possível
combater o crime organizado e reconquistar espaços perdidos para o tráfico.
*Publicado no Portal do jornal O Globo em 05/03/2018