Prezado ministro Marco Aurélio
Às vésperas da sexta-feira da paixão, ele se sentiu
crucificado - como Cristo.
Que tal, então, ressuscitar, em plena Páscoa, a
prática de punir criminosos?
Daqui a oito dias, isto é na quarta-feira que se segue ao
privilegiado, looongo descanso da Semana Santa (Oi? O feriado é só na sexta,
tá?), o Supremo vai, enfim, votar o habeas corpus que pode manter Lula em
liberdade.
Duas semanas terão se passado desde a bizarra sessão da última quinta-feira.
A cena do ministro Marco Aurélio Mello tirando do bolso direito inferior do
paletó aquele pedaço de papel para mostrar o checkin de voo ao Rio de Janeiro
tinha tudo para virar meme – como virou.
O Brasil ouviu as risadas instantâneas de seus pares.
No dia seguinte, um queixoso magistrado trocou endereços de e-mail e números de
telefone, dizendo-se se crucificado por ser cumpridor de compromissos.
Caro ministro Marco Aurélio, permita-me explicar que seu compromisso NÃO é com
a Academia Brasileira de Direito do Trabalho (ABDT), cuja presidência do
Conselho Consultivo o senhor assumiu na sexta, 23 de março.
Seu compromisso “Supremo”, como diz o nome do tribunal que o sr. compõe, é com
a sociedade brasileira, que clama pelo combate à corrupção.
Aliás, aproveito também para informar que a referida entidade com sede no Rio é
uma academia, e não uma associação, como o sr. a ela se referiu na sessão do
pleno do STF.
Academia à qual o sr. pertence há mais de 15 anos, disse-me me há pouco o
presidente João de Lima Teixeira Filho, empossado na mesma cerimônia.
Era de se esperar que o sr. soubesse o nome, mas, diante da insegurança
jurídica em que o País está mergulhado, isso é o de menos.
Tenho absoluta certeza que a ABDT seria 100% solidária com o povo brasileiro –
e super hiper compreensiva diante de sua ausência – se, para julgar assunto de
tamanha importância em ano eleitoral, o sr. precisasse cancelar a viagem.
Por favor, releia suas palavras, ao pedir o encerramento da sessão à presidente
Cármen Lúcia:
“(…) para cumprir um compromisso que penso que decorre até da cadeira que ocupo
no Supremo, homenagem a esta cadeira, que é assumir amanhã no Rio a presidência
do Conselho Consultivo da Associação (sic) Brasileira de Direito do Trabalho,
que será uma honra para mim.”
Espero que o sr. e seus 10 colegas do Supremo usem esta semana de descanso para
refletir sobre o futuro de uma nação que, esgarçada pela pilhagem aos cofres
públicos, vive uma crise de violência sem precedentes, registra pessoas
morrendo por falta de atendimento médico, vê crianças sem escola, merendas
infantis sendo roubadas, balas perdidas a torto e direito, mortes nas estradas
sem manutenção, e tantos problemas mais.
Seu compromisso mor, prezado ministro, é punir os ladrões.
Dos cofres públicos e privados.
Zelar pelo cumprimento da Constituição é sua prioridade.
A Academia de Direito do Trabalho vem depois.
Inclusive porque o dr. Lima Teixeira esclarece que o seu Conselho Consultivo
não é permanente, e só funciona à medida que o presidente pede algum aconselhamento.
*Publicado no portal da revista VEJA em 28/03/2018