O mundo não acabou
Eliane Cantanhêde
Foi só impressão ou o mundo não acabou, não houve comoção
nacional e não explodiram manifestações de rua no sábado e no domingo contra a
prisão de Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente e o maior líder popular do
Brasil desde o fim da ditadura militar?
Em São Paulo, Minas, Rio, Brasília, Recife, Salvador,
Porto Alegre, Manaus e por aí afora a vida simplesmente continuou. Uma
aglomeração aqui e acolá, numa capital ou outra, mas cidadãos e cidadãs foram à
feira, à praia, ao shopping, à igreja, ou ficaram em casa descansando.
Pode significar que a prisão de um poderoso a mais ou a
menos, entre tantas que já foram feitas e tantas que ainda virão, já não
emociona. Ou que se fala na prisão de Lula há tanto tempo que isso amorteceu o
impacto quando ela aconteceu. Já estava todo mundo preparado? Outra hipótese é
que Lula já não é mais o Lula que saiu da Presidência com 80% de popularidade.
Em torno de 30% dos eleitores dizem que pretendem votar nele, mas só os
ideológicos, que se declaram de esquerda, se animaram a protestar, de
preferência pela internet.
Os não ideológicos, que manifestam voto em Lula porque
ele é o mais conhecido, ou porque guardam boas lembranças dos seus governos, ou
porque imaginam que ele é quem mais vai melhorar a vida deles, não se mexeram. E
podem mudar de candidato e ir até para Jair Bolsonaro, se ele prometer mundos e
fundos.
Por isso, as fotos de sábado distribuídas a centenas de
países foram bonitas e fortes, mas fechadas num Lula cercado por militantes no
Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Se fossem fotos abertas, de um helicóptero,
mostrariam só duas ruas cheias. Muito pouco para o grau de dramaticidade.
Se o “povo” não fez ruidosas manifestações por Lula, a
prisão dele conseguiu o que nem o impeachment de Dilma havia conseguido: o clima
ontem era de ressaca, mas o dólar foi a R$ 3,42, o maior valor desde dezembro
de 2016, e a Bolsa caiu 1,78%.
A reação, pois, foi menos popular e mais do mercado – e
não à prisão em si, mas pela nuvem de imprevisibilidade que ela joga sobre uma
eleição já tão perigosamente imprevisível. Lula vai insistir na candidatura,
mesmo preso em Curitiba? Se não, qual sua capacidade de transferência de votos
para o plano B do PT? Que será quem? Bolsonaro, o segundo colocado, perde ou
ganha com esse fato novo?
Uma coisa, porém, é certa. Se Lula fica preso alguns dias
ou algumas semanas e sai no ombro dos militantes, seu poder na eleição é um. Se
fica trancafiado durante meses, imobilizado ao longo da campanha, é outro. Por
isso, a principal pergunta agora é o que acontecerá amanhã, quando o ministro
Marco Aurélio Mello vai confrontar a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, e pôr
“em mesa” a rediscussão da prisão após condenação em segunda instância.
Preventivamente, Cármen já tinha posto “em pauta” dois
habeas corpus, um para soltar o ex-ministro Antonio Palocci, também preso em
Curitiba, outro para livrar o deputado Paulo Maluf da prisão domiciliar, nos
Jardins, em São Paulo. A questão é: o que tem prioridade? Os HCs de quem está
preso ou um tema posto em mesa por um dos ministros?
Depois de resolvido esse imbróglio, vem aí mais uma
batalha, com cinco ministros de um lado (a favor da prisão em segunda
instância), cinco de outro (contra) e uma tonelada de responsabilidade nas
costas da ministra Rosa Weber.
Mais uma vez, o resultado depende dela e o suspense é de
tirar o fôlego, porque Rosa é contra a tese da prisão em segunda instância, mas
vota contra HCs, inclusive o preventivo de Lula, em nome da “colegialidade”. Em
bom português: se o Supremo tem 11 votos e um ministro é voto vencido, só lhe
resta acatar a decisão da maioria. Se não, vira uma bagunça. E agora, o que
Rosa fará?
*Publicado no portal do jornal Estadão em 10/04/2018